Da tela ao tribunal: caminhos para a promoção racial no mercado brasileiro

A analista de pesquisa sênior Tássia Scudeller Prevedel conversou com profissionais que atuam na promoção da equidade racial no Brasil. O artigo conecta diferentes setores e trajetórias que impulsionam a transformação social. Confira a reflexão completa abaixo.

Published on 30 October 2025
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Tassia Scudeller Prevedel

Outubro, histórias e reconhecimento

No Reino Unido, onde a Chambers and Partners está sediada, outubro é celebrado como o Black History Month – o mês da história negra. Criado em 1987 pelo ativista ganês Akyaaba Addai-Sebo, o movimento nasceu para desafiar o racismo e celebrar as contribuições de pessoas negras. 

Coincidentemente, o mais recente guia da Chambers Brazil: Transactional também foi publicado em outubro de 2025. Dentre os novos profissionais ranqueados, há importantes nomes que atuam diretamente na promoção da equidade racial, tais como o advogado e professor Luiz Carlos Silva Faria Junior, do TozziniFreire Advogados. Luiz foi listado no ranking de Environmental, Social & Governance (ESG), reconhecido por sua atuação em Empresas e Direitos Humanos e por liderar iniciativas de diversidade, inclusão e combate à discriminação.

Fora do universo jurídico, a luta antirracista também ganha força em outras frentes. Um exemplo é o trabalho da cineasta Fernanda Lomba, fundadora e diretora executiva do NICHO 54, que tem formado e impulsionado profissionais negros no mercado audiovisual brasileiro, ampliando o acesso e a representatividade na cultura. 

Em campos distintos, Luiz e Fernanda compartilham um mesmo propósito: transformar estruturas e abrir caminhos para novas gerações. 

A trajetória de Fernanda Lomba

Fundadora do NICHO 54, Fernanda Lomba é uma das vozes mais consistentes do cinema negro contemporâneo no Brasil. Produtora autodidata, ela enfrentou barreiras raciais e de gênero ao tentar ocupar espaços de direção e liderança na indústria audiovisual. 

A ideia de criar o NICHO 54 surgiu em 2019, após uma conversa em Berlim com um profissional europeu envolvido em programas de diversidade em festivais internacionais. O encontro acendeu o desejo de construir, no Brasil, uma estrutura que fortalecesse a presença de profissionais negros no cinema e nas artes visuais. 

O nome do projeto é uma provocação. “Nicho” questiona o enquadramento mercadológico da população negra como um público restrito; “54” remete ao dado do IBGE de 2010, em que 54% dos brasileiros se autodeclaram negros ou pardos.  Fernanda reflete: “Como é que pode ser tratado como nicho uma comunidade que tem potencial de representar mais da metade do país?”.

Mais do que criar uma produtora, Fernanda quis erguer uma estrutura capaz de gerar oportunidades reais. O NICHO 54 nasceu, segundo ela, do cansaço de ver pessoas talentosas sem acesso e sem rede de apoio. A proposta foi criar um ecossistema que garantisse sustentabilidade, circulação e reconhecimento a esses profissionais.

Ela também destaca que sua trajetória é uma resposta às ausências: “Sempre olhei para a tela e não me vi. O projeto é uma tentativa de garantir que outras pessoas negras não precisem se perguntar se pertencem a esse lugar.” Com o tempo, Fernanda transformou essa vivência em missão: construir caminhos mais acessíveis para as novas gerações e ampliar o alcance das narrativas negras.

O impacto e as frentes de atuação do NICHO 54

Mais do que um coletivo, o NICHO 54 se consolidou como uma plataforma de transformação no audiovisual. Sua atuação se organiza em cinco eixos principais: 

  • Formação: cursos técnicos e teóricos voltados à liderança negra e à empregabilidade. 
  • Curadoria: exibição de filmes do Sul Global com olhar racializado, abrindo espaço para narrativas fora do eixo Europa-Hollywood.   
  • Mercado: articulação entre talentos negros e demandas reais do setor audiovisual. 
  • Advocacy: proposição de políticas públicas, como cotas e mapeamento de empresas negras. 
  • Internacionalização: presença em festivais como Cannes e Tribeca, promovendo a troca global. 

Um dos programas de maior destaque é o Nicho Executiva, voltado à aceleração de produtoras executivas negras. Em duas edições, o projeto impactou diretamente 10 mulheres, viabilizando 24 intercâmbios e abrindo portas em festivais como o Tribeca, com curadoria de Whoopi Goldberg. 

Para Fernanda, a internacionalização é uma estratégia de fortalecimento. Enquanto o mercado interno ainda é restrito, o olhar global tem validado o talento negro brasileiro e aberto novas perspectivas. Ela entende o audiovisual como campo de disputa simbólica, onde a luta antirracista também se faz pela narrativa e pela imaginação.

O NICHO 54, hoje, vai além da formação profissional: fortalece redes, influencia políticas públicas e contribui para reconfigurar a forma como o Brasil pensa, produz e consome cultura negra.

Do cinema à advocacia: pontes pela equidade

A luta por equidade racial também se manifesta no mundo jurídico. O advogado Luiz Carlos Silva Faria Junior construiu uma carreira marcada pela intersecção entre direito, empresas e direitos humanos. Formado e mestre pela Universidade Federal de Juiz de Fora, ele é atualmente doutorando em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-Rio. Além da advocacia, Luiz atua como professor universitário, pesquisador e palestrante em temas ligados à diversidade, sustentabilidade e responsabilidade social corporativa.

Com mais de 13 anos de experiência nesse campo, ele participou de projetos de advocacy junto à ONU, ao Congresso Nacional e a organizações da sociedade civil. Em 2021, uniu sua vivência acadêmica à prática jurídica ao integrar o escritório TozziniFreire Advogados, onde atua no eixo social de ESG e desenvolve iniciativas em Direitos Humanos e Empresas e Sustentabilidade. 

Luiz afirma: “Encontrei um espaço fértil para dialogar a partir dos meus marcadores sociais. A diversidade, aqui, não é apenas pauta de inclusão, mas parte da estratégia de inovação”.

Homem negro e bissexual, Luiz acredita que a pluralidade de vivências enriquece a prática jurídica. Em sua equipe, composta majoritariamente por pessoas não brancas e LGBTQIAPN+, ele vê um modelo possível para o futuro do mercado jurídico brasileiro. 

ESG, diversidade e o papel transformador da advocacia

No TozziniFreire Advogados, Luiz integra o programa TF Inclusão, que reúne três pilares – responsabilidade social, diversidade e pro bono – e mantém parceria com cerca de 100 organizações da sociedade civil. “O trabalho pro bono é onde exercemos nossa paixão social e colocamos um pouco da nossa alma militante”, afirma. 

As iniciativas envolvem causas ligadas a gênero, raça, pessoas com deficiência, comunidade LGBTQIAPN+ e, mais recentemente, população em situação de rua. O escritório busca ir além da assessoria jurídica tradicional, cocriando projetos com as organizações e fortalecendo suas ações. 

Essa atuação, segundo Luiz, também transforma o próprio mercado jurídico, aproximando a advocacia da responsabilidade social e inspirando outras firmas e clientes a repensarem seus modelos de impacto. 

Sua combinação entre advocacia e ensino amplia o alcance da pauta: nas salas de aula, Luiz forma profissionais conscientes sobre o papel do direito como instrumento de justiça; no escritório, aplica esses princípios na prática cotidiana. 

Desafios estruturais e horizontes de possibilidade

Tanto Fernanda quanto Luiz reconhecem avanços, mas alertam: o caminho ainda é longo. No audiovisual, Fernanda destaca a ausência de políticas públicas e a concentração de recursos em grandes produtoras brancas.

Para ela, a falta de prioridade das pautas raciais na cultura e a retração da filantropia têm aprofundado a desigualdade na distribuição de recursos. Defende ações estruturais, como cotas obrigatórias em contratos públicos, mapeamento de empresas negras e capacitação de empreendedores negros e indígenas. Ela também ressalta a importância de políticas de continuidade, capazes de garantir sustentabilidade e constância para iniciativas negras.

No campo jurídico, Luiz reforça a necessidade de ações estruturais para além da contratação inicial, defendendo iniciativas voltadas à formação e à promoção de lideranças negras. Ele também aponta que a justiça racial está intimamente ligada à econômica: “Se eu tivesse um superpoder para acelerar a equidade racial no Brasil, seria o da distribuição de renda – porque não há justiça racial sem justiça econômica”, afirma Luiz.

Apesar dos desafios, ambos enxergam esperança nas novas gerações. Luiz menciona os jovens negros e negras que chegam cada vez mais conscientes de seu papel. Fernanda, por sua vez, observa o fortalecimento de uma rede de cineastas e produtores que, juntos, reconfiguram as narrativas sobre o Brasil.

Junte-se à transformação

A luta antirracista no Brasil avança quando diferentes setores se conectam: das câmeras aos tribunais, das salas de aula às salas de reunião. 

Quer conhecer mais sobre o NICHO 54, conversar com Fernanda Lomba ou apoiar a causa? O projeto oferece diversas formas de engajamento, de mentorias e programas de formação a parcerias culturais e institucionais. Também é possível contribuir financeiramente para fortalecer as ações do NICHO 54, apoiando diretamente seus programas e iniciativas voltadas à representatividade negra no audiovisual. Saiba mais no site oficial. 

Para entender como o direito e as empresas podem contribuir para um país mais justo, é possível contatar Luiz Carlos Silva Faria Junior para dialogar sobre ESG, direitos humanos e equidade racial. 

Se você faz parte de um projeto ou organização sem fins lucrativos que atua com raça, gênero, população LGBTQIAPN+ ou pessoas em situação de rua, informe-se sobre parcerias pro bono do programa TF Inclusão.

E, para quem deseja mergulhar ainda mais fundo no tema, Luiz indica leituras e projetos inspiradores: 

  • Ancestrais do Futuro, de Grazi Mendes: sobre legado, propósito e transformação nas empresas. 
  • Manual da Empresa Antirracista, de Adriana Alves: um guia prático para ambientes corporativos comprometidos com a equidade. 
  • Carreiras Negras: Estratégias Para Construir Presença, Poder e Permanência, de Talita Matos e Eliezer Leal: sobre os caminhos para fortalecer trajetórias profissionais negras no Brasil. 

Fernanda Lomba afirma: “A gente luta para existir, mas também para imaginar. Se conseguimos imaginar o que ainda não existe, então já começamos a construir o futuro”.

A transformação já começou e cada gesto, parceria, financiamento ou leitura pode ser um passo a mais nessa caminhada coletiva por um Brasil mais justo, diverso e representativo. 

Cineasta com mais de 10 anos de experiência como produtora-executiva, Fernanda Lomba se dedica hoje ao roteiro e direção. Foi júri de mostras competitivas do Marché du film/Festival de Cannes na França e nos festivais brasileiros Olhar de Cinema; Festival de Gramado, Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. É talento Paradiso, foi residente na Citè des Arts, em Paris e é sócia na Mundi Produtora. Ao todo, produziu 6 longas documentais para Cinema, 2 séries-doc para TV e 2 curtas-metragens. A convite da embaixada da Alemanha no Brasil, dirigiu seu primeiro curta-metragem autoral A Noite, em 2021. Atua como coordenadora criativa e consultora de roteiro e direção, com destaque para Levante (dir. Lilla Hallah) que teve sua estreia na Semana da Crítica do Festival de Cannes. Paralelo à carreira artística, é fundadora da organização NICHO 54.
Advogado Sênior das equipes de Empresas e Direitos Humanos e Pro Bono em TozziniFreire Advogados. Doutorando em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-Rio. Mestre em Direito e Inovação pela Universidade Federal de Juiz de Fora.