Aprovada no Congresso Nacional no início de maio, foi finalmente sancionada pela Presidência da República a Lei nº 14.874/2024, que dispõe sobre a pesquisa com seres humanos e institui o Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos – conforme publicação no Diário Oficial da União (DOU) de 28.5.2024.

 

O ecossistema de Pesquisa Clínica (Indústrias, Organizações Representativas de Pesquisa Clínica / CRO, pesquisadores etc.) aguardava ansiosamente a sanção presidencial, indagando se haveria vetos ao texto aprovado pelo Congresso.

 

A espera chegou ao fim, com a Mensagem Presidencial n° 246 que, ao sancionar o Projeto de Lei nº 6.007, de 2023, justificou as razões pelas quais vetava dois únicos dispositivos, a saber, o § 3° do artigo 24 e o inciso VI do artigo 33.

 

O artigo 24 abre a Seção II do Capítulo III, que trata da “Proteção dos Participantes em Situação de Vulnerabilidade”, assim denominados os menores de idade e aqueles que não possam expressar livremente a sua vontade na mesma extensão de indivíduos adultos e capazes, tal como definem os artigos 3° e 4° do Código Civil.

 

O § 2° do artigo 24 já estabelece que a proteção aos participantes de pesquisa em condição de vulnerabilidade será exercida pelo Ministério Público, nos seguintes termos: § 2º O pesquisador responsável e o representante do incapaz coassinarão comunicação ao Ministério Público, informando o roteiro de participação do incapaz na pesquisa.

 

Daí porque o veto ao § 3°, parece-nos medida acertada. Segundo a Mensagem de Veto, referido dispositivo exigia a comunicação prévia ao Ministério Público acerca da participação de membro de grupo indígena em pesquisa clínica, o que efetivamente fere o princípio da isonomia e acaba por indevidamente reafirmar a tutela estatal dos povos indígenas, condição já superada pela legislação.

 

Nem por isso, estariam os povos indígenas a descoberto: se e quando for o caso, serão tratados eventualmente como vulneráveis, nos termos e nos limites do Estatuto do Índio (Lei n° 6001/1973), assim como os interesses de menores e relativamente incapazes são regulados pelo Código Civil.

 

Não está claro, ainda, em que medida e em qual extensão será a participação do Ministério Público, a partir da comunicação mencionada no acima citado § 2° do artigo 24. Mas, no âmbito do Sistema Legal Brasileiro, não se espera do Ministério Público uma atuação passiva. O tema deverá, obviamente, se desenvolver casuisticamente, e seria recomendável que o


 

 

 

decreto regulamentador dessa lei, quando vier, dedicasse alguns dispositivos para organizar os limites da necessidade e a participação desse importante órgão responsável pela defesa dos interesses da população, evitando, de um lado, a violação aos direitos de vulneráveis, e de outro, o acréscimo de uma burocracia que prejudique ou desestimule a realização de pesquisa clínica envolvendo vulneráveis.

 

O segundo veto pareceu-nos mais impactante. O artigo 33 está inserido no Capítulo VI, que trata da “Continuidade do Tratamento Pós-Ensaio Clínico”, e traz uma novidade: o próprio plano de acesso pós estudo deve ser validado pelo CEP antes mesmo do início do ensaio clínico. Os objetivos desse fornecimento são os mesmos de hoje: (i) assegurar a continuidade do acompanhamento de segurança do participante, e (ii) garantir o recebimento do tratamento experimental após o término do ensaio clínico.

 

O inciso VI do artigo 33 prevê as hipóteses de cessação do fornecimento pós estudo tratados no referido Capítulo VI e o dispositivo vetado expressamente autorizava a interrupção do fornecimento no prazo de 5 anos contados da disponibilidade comercial do medicamento (outrora experimental) no país: é dizer, concedido o registro do medicamento, ao fim de 5 anos, o fornecimento poderia ser legitima e unilateralmente interrompido, independentemente da necessidade de tratamento do participante da pesquisa.

 

Como justificativa para o veto, a Mensagem Presidencial considerou que a interrupção unilateral desse fornecimento pós-estudo feriria os direitos do participante de pesquisa, e comprometeria o desenvolvimento de pesquisas éticas, baseadas nos princípios de dignidade, beneficência e justiça.

 

Tal veto poderia incomodar parte do ecossistema de pesquisa clínica, na medida em que não estabeleça regras que permitam um adequado planejamento de todo estudo, incluindo a fase pós-pesquisa. No entanto, é bom mencionar que o mesmo artigo 33 prevê outras hipóteses de interrupção do fornecimento pós estudo. Merece destaque a hipótese do inciso VII, que trata da disponibilização do medicamento experimental quando da sua incorporação na rede pública de saúde.

 

A Lei nº 14.874/2024 entrará em vigor 90 dias, e deverá ser ainda regulamentada por meio de decreto presidencial, notadamente para execução e criação do Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos. O texto final da norma encontra-se disponível para consulta no seguinte link:

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2024/lei/L14874.htm

 

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