Apostas online e endividamento: um novo cenário de riscos trabalhistas no Brasil

Por Ana Paula Baltazar, Research Analyst no Time Chambers Brazil

Published on 22 July 2025
Por Ana Paula Baltazar
Ana Paula Baltazar

Durante os ciclos mais recentes de pesquisas dos guias Industries & Sectors e Regions , que incluíram o lançamento da tabela de Gambling and Betting e a atualização dos rankings regionais de Direito Trabalhista, identificamos uma nova fronteira de atenção jurídica: os riscos ocupacionais associados ao endividamento dos trabalhadores e ao uso crescente de plataformas digitais de apostas esportivas. 

O direito do trabalho brasileiro registrou grande avanço nas discussões e regulações relativas aos riscos ocupacionais nos últimos anos, especialmente aqueles de natureza psicossocial. A alteração da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), em agosto de 2024, reforçou que as empresas são obrigadas a identificar e gerenciar esses riscos, numa mudança regulatória que demanda mais atenção e proatividade por parte das organizações. 

Entre os novos fatores identificados, a expansão acelerada do crédito consignado e o crescimento exponencial das plataformas digitais de apostas de cota fixa, conhecidas popularmente como “bets”, são vistos por algumas empresas como aspectos que podem ampliar a exposição dos empregadores a novas modalidades de risco jurídico. 

Consequências jurídicas

O endividamento crescente dos empregados, via crédito consignado ou jogos de azar, tem repercussões importantes para as empresas. Funcionários em situação financeira precária apresentam maior risco de acidentes de trabalho, aumento de faltas associadas a transtornos como depressão, ansiedade e dependência química, e até mesmo possível comportamento inadequado, incluindo tentativas de fraude ou desvio de recursos. 

“Quando a pessoa está endividada, o nível de acidente de trabalho e desatenção cresce. É preocupação também porque as pessoas aumentam a tentativa de burlar o sistema para obter proventos de forma ilícita. Isso afeta o trabalhador e, consequentemente, a empresa”, destaca uma fonte próxima ao departamento jurídico de uma empresa brasileira em entrevista à Chambers. 

No caso específico das apostas online, nota-se uma crescente preocupação com os impactos indiretos do problema para os empregadores, já que o endividamento tende a afetar o ambiente de trabalho, ampliando riscos à integridade física, emocional e financeira da equipe. 



RISCOS RELACIONADOS ÀS DÍVIDAS COM BETS

Do ponto de vista jurídico, trabalhadores endividados por apostas podem apresentar riscos relevantes, como: 

Dificuldade de concentração

O que eleva a chance de acidentes no ambiente de trabalho. 

Transtornos psíquicos

Depressão e dependência, comuns em contextos de endividamento e vício. 

Condutas Ilícitas

Há risco de fraudes ou desvios de recursos, especialmente sob forte pressão financeira. 

Aumento de pedidos de afastamento

Inclui ainda solicitações de benefícios relacionados ao sofrimento psíquico, porque os efeitos do endividamento muitas vezes se manifestam de forma indireta.



Como lembra o advogado Valton Pessoa, sócio do escritório Pessoa e Pessoa Advogados, o artigo 482, alínea “l” da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), estabelece que a prática habitual de jogos de azar pode configurar justa causa para demissão, mesmo quando essa conduta ocorre fora do ambiente de trabalho. O objetivo é proteger o ambiente de trabalho de comportamentos que possam ter reflexos negativos no desempenho do empregado ou na imagem corporativa. 

A demissão por justa causa, no entanto, é medida extrema. A abordagem recomendada para o problema, segundo o advogado deve ser gradual, com etapas que incluem, na ordem, conscientização, advertência, suspensão e eventual desligamento, sempre respeitando o devido processo e garantindo proporcionalidade. 

O ideal é apoiar o trabalhador primeiro, conscientizá-lo. Caso não haja melhora, aplicar advertência e suspensões de forma progressiva antes da justa causa”, explica Valton Pessoa. 

Afinal, se o comportamento fora do trabalho impacta a produtividade ou influencia negativamente colegas, a empresa tem respaldo jurídico para intervir. “Se estiver afetando o desenvolvimento do trabalhador, seu desempenho ou o ambiente, a empresa tem o direito de exigir que ele exerça seu papel com a maior técnica possível”, complementa. 


A dimensão pública do endividamento por bets

Pesquisas nacionais mostram que as apostas online deixaram de ser um fenômeno marginal. A ligação entre esse hábito e o endividamento é cada vez mais evidente. Uma pesquisa realizada pelo Instituto DataSenado em junho de 2024 apontou que 12% da população adulta brasileira, o equivalente a 22 milhões de pessoas, fizeram apostas esportivas no mês anterior à coleta dos dados. Entre esses apostadores, 58% estavam com dívidas vencidas há mais de 90 dias. 

Outro levantamento, do Instituto Locomotiva, revelou que 86% dos apostadores esportivos estão endividados, em um universo estimado de 52 milhões de brasileiros. Estudo do Itaú BBA estima uma perda anual de R$ 24 bilhões em apostas online, o que representa aproximadamente 0,2% do PIB brasileiro. Já a consultoria Strategy& identificou que, entre famílias das classes D e E, os gastos com apostas podem comprometer mais de 5% do orçamento destinado à alimentação, impactando diretamente o consumo de itens essenciais. 


Ações preventivas

Com a cabeça na dívida ou pensando em jogar o tempo todo, o trabalhador perde a atenção no trabalho. A tensão constante pode prejudicar o rendimento profissional e afetar seu equilíbrio emocional. Diante desse cenário, as empresas são chamadas a repensar diretrizes internas e práticas relacionadas à saúde mental e segurança do trabalho, não apenas para mero cumprimento de normas, mas como uma estratégia ativa de prevenção e mitigação de riscos jurídicos e operacionais. 

Como uma das medidas preventivas, o monitoramento de sites de apostas em equipamentos corporativos, como celulares, e-mails ou notebooks da empresa é permitido, e o trabalhador deve estar ciente dessa política. 

A empresa não pode monitorar uso de sites no celular pessoal, seria invasão de privacidade. Mas é possível em dispositivos corporativos, desde que o empregado saiba que está sendo monitorado”, afirma Valton. 

Para enfrentar essa situação, os departamentos jurídicos e de compliance das empresas podem considerar estas ações preventivas imediatas: 



O atual contexto acaba por impor às empresas uma postura preventiva e estratégica em relação ao problema do endividamento por apostas on-line a fim de reduzir impactos financeiros e reputacionais decorrentes dessa nova fonte de risco.