A advocacia 4.0 e os honorários em tempos de inteligência artificial
Com a chegada da inteligência artificial (IA) ao universo jurídico, cresce entre os clientes a expectativa de que a tecnologia reduza os honorários advocatícios. Mas, diante da pressão por menores custos, surge uma nova inquietação: a IA é capaz de agregar qualidade e profundidade às análises ou servirá apenas como mecanismo de equilíbrio financeiro? Essa preocupação apareceu de maneira recorrente durante as entrevistas do guia Transactional 2025 da Chambers and Partners, centrado em áreas de prática como ESG, Venture Capital e Corporate/M&A.
A chamada advocacia 4.0, que representa a integração da prática jurídica com ferramentas digitais, já não pode ser compreendida apenas pelos conceitos tradicionais – uso prático, impactos e expectativas no mercado jurídico. O desafio é entender se estamos diante de uma revolução na forma de prestar serviços ou apenas de um ajuste econômico.
Como observamos em nossas conversas frequentes com advogados e clientes de serviços jurídicos, o uso de IA na advocacia já é rotina. A partir disso, neste artigo, buscamos explorar como essas transformações estão sendo percebidas e aplicadas no dia a dia.
O uso da IA na prática jurídica
Uma pesquisa da American Bar Association mostrou que a adoção de IA em escritórios saltou de 11% em 2023 para 30% em 2024. Entre profissionais individuais, o índice é ainda maior: 85% afirmam usar IA semanalmente. Outro estudo, da Thomson Reuters, revelou que 28% dos escritórios já utilizam ferramentas de IA generativa, com expectativa de expansão em larga escala nos próximos anos, pelos ganhos de produtividade e de tempo.
Esses números refletem um movimento que vai além da tecnologia. Estão em jogo novos modelos de negócio e até mesmo a redefinição do papel do advogado. É nesse contexto que surge o fenômeno do delawyering, marcado pelo uso intensivo de ferramentas digitais que substituem tarefas antes desempenhadas por advogados. O impacto é duplo: de um lado, transforma as atividades atribuídas aos profissionais; de outro, expõe a urgência de alinhar a qualificação dos novos egressos às competências exigidas pelo mercado.
A inteligência artificial vai muito além de simplesmente reduzir a intervenção humana. Ela representa um recurso poderoso para aprimorar a entrega de serviços jurídicos. Cada tempo despendido em retrabalho, lacunas de conhecimento ou processos ineficientes representa perda de receita. A IA pode recuperar parte desse valor, ao mesmo tempo que oferece rapidez e qualidade na entrega.
Complementariedade, não substituição
Muitos escritórios já se movimentam para adotar ferramentas de IA, mas ainda tratam o tema com cautela. Além da pressão por reduzir honorários, pesa o risco de falhas na proteção de dados. Ainda assim, algumas experiências são relatadas de forma positiva, como o uso de plataformas de análise contratual e ferramentas de automação em due diligence, como por exemplo Harvey e Draftwise.
Eduardo Zilberberg, sócio do BZCP – Bronstein, Zilberberg, Chueiri & Potenza Advogados, resume o dilema: “no futuro, muitas atividades serão automatizadas e, consequentemente, haverá menos advogados. Na prática, no entanto, esse movimento costuma levar mais tempo do que se imagina”. Tarefas repetitivas tendem a ser absorvidas pela tecnologia, o que pode reduzir a necessidade de mão de obra e, com o tempo, impactar os honorários. Zilberberg acrescenta que pode haver uma mudança no modelo de cobrança, com maior adoção de honorários fixos e foco no valor agregado entregue ao cliente.
A visão não é isolada. Sócios de outros escritórios entrevistados pela Chambers ressaltam ainda que a força da marca, a reputação construída ao longo do tempo e a assinatura em um parecer ainda são diferenciais que a IA não substitui. No curto e médio prazo, espera-se otimização do tempo, com redução pequena de custos. Se a resposta chega mais rápido ao cliente, já há um ganho financeiro expressivo. Em operações de M&A, por exemplo, concluir o negócio antes que ocorram mudanças no mercado – como oscilações econômicas ou regulatórias – pode significar uma economia real e imediata.
Custos invisíveis e ganhos possíveis
Do lado dos clientes, há uma relação ambivalente com a tecnologia. Clientes entrevistados ressaltaram que recorrem à IA antes mesmo de buscar advogados, tratando-a como uma primeira opinião. Ainda assim, eles reconhecem que não há equivalência. “Quando temos um parecer assinado por um grande escritório, esse documento tem peso institucional. A IA responde rápido, mas ainda não entrega confiança”, destacou um executivo ouvido durante nossas pesquisas.
A análise revela um ponto de convergência: escritórios e clientes já reconhecem a IA como realidade. A discussão vai além da simples redução de honorários e se concentra em como agregar valor em um cenário em que parte das tarefas pode ser realizada por algoritmos.
O que está em jogo no debate sobre o uso da IA no meio jurídico

O direito sempre caminhou com passos mais lentos. Avança pela prudência, protege-se pela tradição. Mas a advocacia 4.0 não pode ignorar que clientes e advogados já experimentam novas formas de interação. O terreno está sendo pavimentado. O que ainda se discute é se esse caminho levará a uma revolução de valor, marcada por maior qualidade, rapidez e inovação, ou se será apenas mais uma linha enxuta na planilha de custos.
O risco está em usar a IA apenas para cortar custos, sem repensar a forma de entrega. A oportunidade pode estar em liberar tempo para que advogados invistam em estratégia e negociação, campos em que a tecnologia ainda não entra.