No próximo dia 18 de setembro, completa-se um ano em que o Plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) homologou, por meio do Acórdão n° 1.925/2024-Plenário e sob a relatoria do ministro Aroldo Cedraz, a solução consensual que pôs fim a uma década de controvérsias entre o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Fundação de Assistência e Previdência Social do BNDES (FAPES).
O caso teve origem, especialmente, em aportes unilaterais realizados pelo BNDES ao Plano Básico de Benefícios (PBB) administrado pela FAPES, por meio de Contratos de Confissão de Dívida celebrados em 2002 e 2004 e de aportes à vista realizados em 2002, 2009 e 2010, sem a correspondente contrapartida dos participantes. Além disso, também se originou de outras controvérsias envolvendo a unificação de cargos e o enquadramento funcionários1.
Diante disso, o Acórdão n° 2.766/2015-TCU-Plenário declarou os aportes irregulares por ausência de paridade contributiva, caracterizando afronta ao § 3° do art. 202 da Constituição Federal (incluído pela Emenda Constitucional n° 20, de 1998) e à disciplina da Lei Complementar nº 108/2001, nos termos do voto do ministro-relator Augusto Sherman Cavalcanti. Com isso, foi determinada a suspensão dos pagamentos e a apresentação de medidas voltadas à obtenção do ressarcimento do montante já quitado.
Inconformada com a decisão, a FAPES propôs ações judiciais solicitando a retomada dos pagamentos suspensos e discutindo valores nominais que, atualizados pelo IPCA até março de 2024, chegavam à, aproximadamente, R$ 10 bilhões. Essas contingências ameaçavam a sustentabilidade financeira do plano e impunham incertezas ao planejamento de longo prazo, com risco de transferência patrimonial intergeracional em desfavor das gerações mais novas. Afinal, com a continuidade dos litígios, às gerações mais novas seria atribuída grande parte do ônus resultante das irregularidades indicadas pelo TCU, ainda que fossem exigidas novas contribuições para mitigar o déficit.
Nesse cenário, além da formulação de requerimento de solução consensual envolvendo as controvérsias pelo ministro do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Geraldo Alckmin Filho2, ganhou destaque o Acórdão n° 1.703/2023-TCU-Plenário, ao determinar o encaminhamento da matéria para adoção de solução consensual, uma vez que foi (e continua a ser) a única ocorrida no setor de previdência complementar no âmbito da Corte de Contas federal. Novamente como relator, o ministro Augusto Sherman afirmou à época que, em sua perspectiva, a FAPES deveria devolver os recursos indevidamente recebidos e não estava convicto de que tal devolução colocaria em risco a sustentabilidade do plano de benefícios, conforme alegado pela entidade.
De todo modo, reconhecendo a dúvida decorrente da inexistência de parâmetros definidos que demonstrassem a capacidade do plano de suportar a devolução integral desses recursos sem riscos, o ministro-relator considerou mais cauteloso remeter a questão à solução negociada entre as entidades do Sistema BNDES e da FAPES. O procedimento foi desenvolvido pela Comissão de Solução Consensual (CSC), integrada pela Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos (SecexConsenso), pela Unidade de Auditoria Especializada em Bancos Públicos e Reguladores Financeiros (AudBancos) e por representantes do BNDES e da FAPES.
Cumpre destacar que a solução consensual homologada pelo Acórdão n° 1.925/2024-TCU-Plenário buscou atender a três pilares colhidos do Acórdão n° 1.703/2023-TCU-Plenário: a devolução dos recursos no maior montante possível; a possibilidade de contribuição adicional dos beneficiários e assistidos em limites suportáveis; e a sustentabilidade financeira do plano de benefícios.
Nesse sentido, o acordo aprovado previu a devolução de R$ 1,55 bilhão ao BNDES3, além de ter disciplinado o processo de migração voluntária incentivada dos atuais participantes e beneficiários do plano da modalidade Benefício Definido (BD) para a modalidade Contribuição Definida (CD). Sobre esse último, a CSC pontuou que tal migração visou assegurar a sustentabilidade financeira do plano, mediante a diminuição da exposição do BNDES aos riscos atuariais do PBB sob administração da FAPES. Além disso, foi dito que a previsão de cobertura de benefícios de risco no âmbito do plano de CD implicaria uma redução do risco atuarial suportado pelos patrocinadores em comparação com o regime de BD à época.
A solução consensual permitiu o encerramento de todas as ações judiciais, extrajudiciais e dos processos administrativos relacionados aos aportes considerados indevidos, com a extinção das principais contingências do PBB, possibilitando não apenas o processo de migração como também a baixa de um provisionamento da ordem de R$ 1,5 bilhão no balanço do BNDES. Assim, liberou-se recursos para a execução da política de investimentos do Governo Federal e o pagamento de dividendos ao Tesouro Nacional.
Um ano após esse julgamento é possível dizer que a solução consensual produziu resultados equilibrados para todos os envolvidos: ao BNDES, possibilitou a recuperação de expressivo montante e a redução de sua exposição a riscos atuariais; à FAPES, assegurou a continuidade de seu plano com previsibilidade, o que, por conseguinte, também beneficiou os seus participantes. Inegavelmente, o caso demonstra como o consensualismo pode conciliar o interesse público existente na devolução de recursos que interessam ao erário com a necessária estabilidade do sistema de previdência complementar.
E, por isso, não há como perder de vista a recente e gradual expansão da atuação do TCU em direção às Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC), um movimento que tem suscitado debates sobre os limites de sua competência fiscalizadora. Como fundamento, a Corte de Contas se apoia na tese, construída ao longo de quase duas décadas, de que os recursos administrados pelas EFPC mantêm natureza pública, seja pela origem estatal dos aportes, seja pelo risco de eventual necessidade de novos contributos por parte das patrocinadoras em caso de déficit. Essa compreensão, que afasta a ideia de existência de uma relação de precedência em relação à fiscalização realizada pela Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), culminou na edição da Instrução Normativa nº 99/2025, que disciplina formalmente a atuação fiscalizatória do TCU sobre os fundos de pensão.
Este cenário, marcado por uma atuação mais direta e autônoma do Tribunal, cria um ambiente complexo para as EFPC, que passam a navegar por um sistema com potencial sobrecarga e risco de curto-circuito em razão de possíveis demandas e exigências contraditórias advindas de múltiplas esferas de fiscalização. Desse modo, o consensualismo se apresenta como uma das ferramentas capazes de solucionar controvérsias envolvendo o TCU e os fundos de pensão de forma eficiente.
O caso FAPES permanece, até o momento, como o único exemplo de solução consensual no âmbito da Corte de Contas envolvendo o setor de previdência complementar, e o seu resultado explicita o potencial significativo da ferramenta de conciliar, de forma harmoniosa, os interesses das EFPC, de suas patrocinadoras, de seus participantes e do próprio TCU em sua missão institucional de salvaguardar o erário.
A equipe de Direito Público do Bocater Advogados acompanha a evolução da atuação fiscalizatória do TCU em relação às EFPC e seus impactos na interação entre o controle externo e o setor de previdência complementar.
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1- Trata-se da controvérsia envolvendo tanto a unificação dos cargos de Operador de Equipamento de Reprografia A e B e dos cargos Técnicos de Informática A e B do Plano Uniforme de Cargos e Salários (PUCS), como também o enquadramento de quatro funcionárias (que ocupavam o cargo de Técnico de Informática C) no cargo de Assistente Administrativo do PUCS.
2- O ministro destacou a necessidade de envolver as controvérsias tratadas nos TCs 029.058/2014-7 e 011.488/2020-4, “de modo que a solução para o ressarcimento dos recursos avaliados no âmbito desses processos possa ser formulada em conjunto com a solução a ser oferecida no âmbito do TC 029.845/2016-5”.
3- O valor de R$ 1,55 bilhão corresponde ao total dos aportes realizados (R$ 3,22 bilhões), deduzidos: (a) dos valores referentes à redução do teto do salário-contribuição para o INSS (R$ 823 milhões); (b) dos aportes decorrentes de modificações no regulamento do PBB (R$ 746 milhões); e (c) daqueles efetuados pelos participantes mediante majoração de contribuição em razão do impacto atuarial (R$ 100 milhões).