A discussão sobre a amplitude da autonomia de negociação do empregado hipersuficiente, que tem diploma de ensino superior e salário igual ou superior a duas vezes o teto máximo do INSS, permanece viva na jurisprudência. A recente decisão da 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 1ª Região, proferida nos autos do processo nº 0101245-16.2023.5.01.0060, reacende o debate ao reconhecer a validade de acordo individual que reduziu o salário de trabalhador hipersuficiente, ainda que sem previsão em norma coletiva.

No caso julgado pela 2ª Turma, o trabalhador, diplomado e com remuneração superior a cinco vezes o teto do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), firmou acordo individual com sua empregadora reduzindo seu salário — que, mesmo após a redução, permaneceu acima de duas vezes o teto previdenciário. No entanto, após o encerramento do vínculo, o empregado ajuizou reclamação trabalhista sustentando a ilegalidade e a inconstitucionalidade da redução salarial sem participação sindical.

A Turma regional, todavia, entendeu que a negociação foi plenamente válida, por se tratar de empregado enquadrado como hipersuficiente, nos termos do parágrafo único do art. 444 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Dessa forma, como não foi constatado vício de consentimento, prevaleceu o pacto firmado entre as partes.

O principal fundamento utilizado pelo TRT foi a autonomia negocial do hipersuficiente. Isso porque, o parágrafo único do dispositivo, introduzido pela Reforma Trabalhista, autoriza que o empregado com diploma superior e salário igual ou superior a duas vezes o teto do RGPS negocie individualmente todas as matérias que o art. 611-A da CLT admite como objeto de negociação coletiva.

Com base nisso, o TRT-1 concluiu que a redução salarial, embora normalmente inserida no âmbito da negociação coletiva (por força do art. 7º, VI, da Constituição Federal), poderia ser pactuada individualmente pelo hipersuficiente, desde que preservada a livre manifestação de vontade.

Apesar da posição adotada pelo TRT da 1ª Região, a matéria está longe de ser uniforme na jurisprudência. De um lado, tribunais regionais, bem como turmas do próprio Tribunal Superior do Trabalho (TST), vêm adotando leitura mais restritiva acerca da autonomia de negociação do hipersuficiente. 

Os principais argumentos contrários adotados são (i) o princípio constitucional da irredutibilidade salarial (art. 7º, VI), que só admite redução por meio de negociação coletiva; (ii) a interpretação de que o art. 444, parágrafo único, da CLT, não pode esvaziar o papel do sindicato, nem autorizar que o acordo individual substitua a negociação coletiva em temas sensíveis, como jornada e salário e (iii) a defesa de que o hipersuficiente não se equipara ao empregador, permanecendo em situação de desigualdade estrutural na relação contratual.

Essa linha tem levado alguns TRTs a invalidar reduções salariais pactuadas de forma individual, mesmo quando o empregado preenche os requisitos da hipersuficiência.

Por outro lado, há Tribunais que interpretam o art. 444, parágrafo único, da CLT, de maneira ampla, permitindo a negociação individual sempre que estiverem presentes, principalmente, os seguintes critérios: (i) o empregado se enquadrar como hipersuficiente; (ii) a previsão da matéria no art. 611-A, da CLT e (iii) não houver vício na manifestação de vontade.

Essa corrente, por sua vez, sustenta que a Reforma Trabalhista conferiu autonomia de negociação reforçada ao hipersuficiente, aproximando-o da lógica dos contratos civis, sobretudo quando o alto nível remuneratório indica maior capacidade de conhecimento e negociação.

A coexistência desses entendimentos antagônicos revela que a interpretação do alcance da autonomia de negociação do hipersuficiente ainda não está pacificada, de modo que, em breve, poderá exigir um pronunciamento definitivo do TST.

O Bocater Advogados seguirá acompanhando os desdobramentos do tema.