Teoria econômica dos contratos e Administração Pública: um novo paradigma de eficiência e equilíbrio nos contratos administrativos

Augusto Neves Dal Pozzo

 

A progressiva sofisticação das contratações públicas e o constante aperfeiçoamento dos mecanismos de licitação e execução contratual demonstram a importância de se buscar, em bases sólidas, estratégias que tornem mais eficientes e equilibrados os contratos firmados pelo Poder Público. Nesse cenário, a incorporação da Teoria Econômica dos Contratos revela-se não apenas oportuna, mas recomendável para aprimorar a compreensão, o planejamento e a concretização dos contratos administrativos, sejam eles regidos pela Lei n.º 14.133/21 ou disciplinados pelos regimes de concessões (Lei n.º 8.987/95) e parcerias público-privadas (Lei n.º 11.079/04). A despeito de ser uma construção intelectual desenvolvida inicialmente com foco nas relações privadas, seus fundamentos são perfeitamente aplicáveis ao âmbito público, notadamente em face das crescentes demandas de eficiência e equilíbrio que se impõem à atividade da Administração Pública.

 

Entre os autores que contribuíram decisivamente para o desenvolvimento desse arcabouço teórico, destacam-se Ronald Coase, que atuou na University of Chicago e foi laureado com o Prêmio Nobel de Economia, e Bernard Salanié, professor da Columbia University e autor do influente The Economics of Contracts: A Primer. Também merecem menção Oliver Hart, professor em Harvard e igualmente Prêmio Nobel, e Jean Tirole, da Toulouse School of Economics, referência em regulação e teoria dos jogos.

Todos esses autores lançaram as bases para a compreensão dos incentivos e das alocações de risco presentes nas relações contratuais, evidenciando como a assimetria de informação e o desenho institucional podem conduzir a ineficiências — problemas que a Administração Pública também enfrenta quando celebra contratos que envolvem recursos públicos, a prestação de serviços públicos ou a provisão de atividade de infraestrutura.

 

A Teoria Econômica dos Contratos enfatiza a relevância das informações assimétricas e dos incentivos na formação e na execução dos ajustes, de modo que, quando uma das partes dispõe de vantagens informacionais ou não se encontra adequadamente motivada a cumprir suas obrigações, surgem ineficiências que prejudicam tanto a Administração quanto a coletividade.

 

Nesse contexto, a Constituição Federal de 1988, ao consagrar o princípio da eficiência no artigo 37, positivou uma orientação já existente e historicamente vinculada ao denominado princípio da boa administração, tal como preconizado por importantes doutrinadores nacionais, a exemplo do querido professor Celso Antônio Bandeira de Mello. Em essência, trata-se de reafirmar o dever de que toda a conduta administrativa seja pautada pela busca permanente de melhores resultados e pelo uso racional dos recursos públicos, em benefício do interesse público.

 

O princípio da boa administração teve origem em diversas tradições jurídicas europeias e ganhou ainda maior relevância após o advento da União Europeia. Na Itália, autores de grande prestígio, como Massimo Severo Giannini e Aldo Sandulli, contribuíram decisivamente para a formulação do conceito, associando-o aos deveres de eficiência, racionalidade e responsabilidade na gestão pública. Já na França, doutrinadores como Maurice Hauriou, Léon Duguit e Gaston Jèze trataram dos fundamentos desse dever, embora não empregassem, à época, a expressão moderna “boa administração”.

 

Posteriormente, o direito à boa administração foi positivado de forma explícita no âmbito da União Europeia, em especial pelo Artigo 41 da Carta dos Direitos Fundamentais da UE, que consagra o direito fundamental a uma atuação administrativa correta, eficiente, imparcial e transparente, em respeito aos direitos dos administrados. Tal previsão reforçou, entre os Estados-membros, o reconhecimento do dever de a Administração Pública pautar-se por critérios de boa governança e proteção efetiva do interesse público.

Também o princípio do equilíbrio econômico-financeiro, presente nas sucessivas leis de licitações e concessões, encontra compatibilidade com essa abordagem, pois a teoria dos contratos explica como fatores, como a alocação inadequada de riscos, eventos imprevistos e comportamentos oportunistas, podem desequilibrar a equação financeira originalmente ajustada.

 

A nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei n.º 14.133/21) oferece, de forma ainda mais transparente, dispositivos que permitem explorar as potencialidades da teoria econômica. A previsão de matrizes de risco no edital e a atribuição clara das responsabilidades relativas a determinados eventos evidenciam a intenção de evitar alocações ineficientes, de sorte que cada parte possa gerenciar aquilo para o que se mostre mais apta. Tal configuração desencoraja a seleção de licitantes menos capazes — fenômeno que a economia denomina adverse selection —, pois o processo licitatório passa a avaliar com maior rigor não apenas o preço, mas também a capacidade técnica, a experiência e a solidez econômico-financeira das empresas. Ao mesmo tempo, reduz-se a margem para que, vencida a licitação, o contratado atue de forma a se eximir de suas responsabilidades ou a deixar de investir na qualidade do objeto, situação que caracteriza o chamado moral hazard. Concepções estritamente formais, ainda predominantes em alguns setores da Administração Pública, muitas vezes ignoram a análise dos incentivos que realmente motivam as partes, gerando problemas práticos na consecução dos resultados pretendidos pelo contrato.

 

O avanço dessa perspectiva no campo do Direito Administrativo, contudo, tem sido gradual. A tradição formalista — que valoriza sobretudo a observância de ritos e formalidades — historicamente inibiu a adoção de análises mais voltadas à estrutura de incentivos e à eficiência. Não obstante, a introdução de mecanismos como pré-qualificação, a estruturação planejada de grandes emparceiramentos públicos concessórios, e a crescente discussão sobre governança pública e compliance caminham para abrir espaço à incorporação de conceitos como screening, estruturação de incentivos, partilha de riscos e monitoramento constante. Esse movimento, aliás, aproxima o Brasil de tendências internacionais, em que inúmeros organismos globais reconhecem a importância de métodos econômicos para o aperfeiçoamento das compras públicas e das concessões de serviços.

 

No plano estritamente jurídico, amparo não falta. O princípio constitucional da eficiência impõe à Administração o dever de buscar a melhor forma de conduzir seus contratos, com resultados concretos para o interesse público. As normas vigentes nos regimes de concessão, de PPPs e na nova lei de licitações atribuem ao Poder Público a tarefa de gerir o contrato, planejar cenários de riscos e avaliar o desempenho do contratado, incluindo a fiscalização da execução e a aplicação de sanções cabíveis, de modo a coibir comportamentos oportunistas. Reconhece-se, assim, a supremacia do interesse público e a necessidade de um regramento contratual que reduza perdas econômicas e previna fraudes ou desperdícios.

 

Além de conferir maior racionalidade à Administração, a adoção de tais práticas também beneficia as empresas que atuam em parceria com o Poder Público. O arcabouço legal e regulatório não apenas exige, mas favorece o bom desempenho contratual. Modelos que incentivam a eficiência e atribuem riscos de maneira equilibrada premiam o contratado ou concessionário mais capacitado e expurgam do sistema aqueles que não dispõem de condições mínimas de execução. Assim, a teoria econômica pode ajudar no design de editais e contratos que, ao mesmo tempo, protejam o erário de práticas lesivas e ofereçam a segurança jurídica necessária para que as empresas saudáveis possam investir e inovar.

 

Nesse ponto, é preciso ressaltar que tanto a estruturação dos contratos como a defesa dos interesses das empresas exigem uma assessoria jurídica especializada e atenta às especificidades de cada projeto. A presença de um corpo jurídico de excelência é fundamental para que o particular se blinde contra eventuais distorções na matriz de riscos ou em cláusulas que abram margem para a alocação abusiva de encargos. O legal advisor deve analisar detalhadamente o edital, de modo a identificar possíveis mecanismos de screening que possam não corresponder ao perfil real da empresa e antecipar riscos de moral hazard que recaiam indevidamente sobre a parte contratada. O suporte jurídico nessa fase, torna-se decisivo para suscitar ao governo, durante as consultas e audiências públicas, garantias proporcionais, definir parâmetros de medição de desempenho e estruturar propostas que combinem, de modo sustentável, preço, qualidade e entrega do objeto. Uma empresa com capacidade técnica robusta não deve se sujeitar a contratos desequilibrados, e a atuação do advogado especializado assegura que a boa prática empresarial seja convertida em cláusulas mais equitativas e transparentes.

 

Durante a execução, o acompanhamento é igualmente determinante para evitar que inconsistências regulatórias ou interpretações equivocadas gerem litígios, perdas financeiras ou desgastes junto à Administração. A orientação jurídica qualificada permite monitorar adequadamente as metas de desempenho, resguardar direitos de reequilíbrio contratual nos termos previstos em lei e garantir que o Poder Público cumpra sua parte, mantendo-se a harmonia entre as partes. A correta compreensão dos riscos contratuais pelo setor privado, auxiliada pela advocacia de excelência, tende a eliminar problemas de desconfiança e a fomentar relações mais duradouras e produtivas com o Estado.

 

Em conclusão, admitir a aplicação dos conceitos de adverse selection e moral hazard nos contratos administrativos não representa mera adesão a teorias abstratas. Trata-se de adotar um instrumento capaz de elevar o nível de eficiência das contratações públicas, reforçar a integridade do processo licitatório e da execução contratual e promover a transparência. A fundamentação jurídica para tanto, está solidamente alicerçada nos princípios constitucionais, na legislação em vigor e na lógica de proteção do erário e do interesse público. Ao mesmo tempo, a convergência entre a visão econômica e a prática jurídica assegura segurança e previsibilidade, de modo que as empresas possam desempenhar suas atividades com clareza quanto aos riscos e obrigações. O resultado é um modelo de contratação pública mais confiável, eficiente e capaz de fomentar, de maneira concreta, o desenvolvimento econômico e social. Nesse contexto, o papel do advogado, em especial na prevenção e solução de conflitos, desponta como instrumento essencial para harmonizar interesses e equacionar, com sabedoria, os desafios que se apresentam na relação entre o Estado e seus parceiros privados.