A decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF), proferida no âmbito do Mandado de Segurança (MS) 40.007/DF, reacendeu o debate sobre a aplicação da prescrição nos processos de controle externo conduzidos pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Por maioria dos votos, a Suprema Corte reconheceu a prescrição da pretensão punitiva e da pretensão de ressarcimento em processo de Tomada de Contas Especial (TCE) instaurado contra a empresa UTC Engenharia S/A.
O caso, de relatoria do ministro Cristiano Zanin, envolvia a apuração de supostas irregularidades em contratos celebrados entre a Petrobras e empresas contratadas para a execução de obras na Unidade de Exploração e Produção da Bacia de Campos. Segundo os autos, o termo aditivo considerado irregular foi assinado em 26 de setembro de 2005, e o TCU teria tomado ciência formal da irregularidade em 23 de agosto de 2007.
A primeira citação formal da empresa, no entanto, somente ocorreu em 3 de abril de 2014. Nesse sentido, o STF entendeu que já havia transcorrido o prazo de cinco anos previsto para a prescrição, mesmo considerando diferentes marcos iniciais (data do fato e da ciência pelo TCU). A Corte também reconheceu a ocorrência de prescrição intercorrente, diante da paralisação do processo por mais de três anos, com prorrogações concedidas a empresas distintas da impetrante.
A decisão vai de encontro ao disposto na Resolução nº 344/2022 do TCU, norma interna que regulamenta os prazos de prescrição das pretensões punitiva e de ressarcimento. Essa resolução, fruto de um esforço normativo da Corte de Contas para regulamentar os prazos prescricionais nos processos de sua competência, define diversos marcos interruptivos da prescrição, com base no entendimento então consolidado do STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5509 e no Recurso Especial (RE) 636.886 – como já explicado em Newsletter publicada pela equipe de Direito Público.
A norma prevê a interrupção da prescrição por qualquer ato inequívoco de apuração, citação, decisão condenatória, entre outros eventos. Além disso, admite a contagem de prazos a partir de diversos marcos, inclusive em relação a fatos continuados. Ao todo, elenca mais de dez hipóteses de interrupção, suspensão e impedimento da prescrição, inclusive em processos distintos, desde que relacionados ao mesmo fato.
Nesse contexto, no caso julgado, a União e o Ministério Público Federal sustentaram que diversos atos processuais – entre eles, a oitiva de outras empresas e a emissão de acórdãos – teriam interrompido o prazo prescricional. No entanto, o STF rejeitou essa tese, destacando que tais atos não se dirigiram de maneira específica à UTC e não tiveram o poder de interromper a prescrição em relação a ela.
O relator invocou, inclusive, o princípio da unicidade e da individualização do marco interruptivo da prescrição, afastando a possibilidade de renovação sucessiva do prazo com base em atos genéricos ou dirigidos a terceiros, afirmando que “A jurisprudência atual de ambas as Turmas desta Suprema Corte rejeita a possibilidade de irrestrita interrupção da prescrição (MS 34.705 AgR, da minha relatoria, Primeira Turma, DJe 2/5/2024; MS 37.316 AgR,Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 25/9/2024)”.
A decisão marca uma inflexão importante na jurisprudência sobre o tema. Ao contrário da postura expansiva adotada pelo TCU, que tende a considerar uma ampla gama de atos como aptos a interromper ou suspender prazos, o STF adota critério mais rigoroso, exigindo que o ato interruptivo seja específico, inequívoco e individualizado em relação ao responsável. Tal entendimento reforça a proteção à segurança jurídica e à duração razoável dos processos administrativos sancionadores.
No plano prático, o julgamento do STF pode influenciar uma série de processos semelhantes em curso no TCU, especialmente aqueles em que os atos interruptivos foram praticados em contextos genéricos ou com relação a outros investigados. Também pode gerar pressão institucional para a revisão da Resolução nº 344/2022, diante do risco de que dispositivos da norma sejam reiteradamente desconsiderados pelo Judiciário.
A equipe de Direito Público do Bocater Advogados acompanha de forma contínua a publicação de decisões judiciais que poderão impactar a competência sancionadora do TCU, e se coloca à disposição para eventuais esclarecimentos adicionais.