Após a publicação do Decreto nº 12.479/2025, que declarou a caducidade do contrato de concessão da BR-393/RJ, conhecida como Rodovia do Aço, novas controvérsias se instauraram em torno dos efeitos práticos e jurídicos da medida e de decisão liminar proferida recentemente pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A concessionária K-Infra Rodovia do Aço S.A., afastada da operação desde 10 de junho de 2025, alega que a caducidade teria sido adotada sem a finalização do cálculo da indenização por bens reversíveis e sem o plano de transição formalizado, o que resultou em disputa judicial.
O processo de caducidade teve início em novembro de 2022, conduzido pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), com fundamento em reiterados descumprimentos contratuais e legais por parte da concessionária, incluindo problemas estruturais, deficiências na manutenção da rodovia e atrasos em obras que comprometiam a segurança, a fluidez do tráfego e a qualidade dos serviços aos usuários. Depois disso, em outubro de 2024, ao emitir a Portaria n° 926/2024, o Ministério dos Transportes indeferiu o pedido de repactuação e otimização contratual apresentado pela K-Infra, por entender que a proposta implicaria em renúncia a créditos já inscritos em dívida ativa da União.
Paralelamente à tramitação do processo administrativo que visava o reequilíbrio, a concessionária buscou tutela judicial. Em ação ajuizada no Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, obteve liminar favorável que suspendeu os efeitos da Portaria nº 926/2024 e permitiu a continuidade da operação até maio de 2025. Em 26 de maio, contudo, a Sexta Turma da Corte reformou a decisão, reconhecendo a legalidade e motivação suficiente do ato administrativo de caducidade, em consonância com o relatório de Análise de Impacto Regulatório produzido pela ANTT. Após essa decisão e publicação do decreto de caducidade pelo Poder Executivo, a gestão da rodovia passou, então, ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT).
Em razão da determinação de retirada da gestão da operação, a K-Infra impetrou o Mandado de Segurança nº 40.336/DF perante o STF, logrando êxito na concessão de liminar que determinou o retorno da concessionária à operação da BR-393/RJ. Isto até que houvesse a definição do valor da indenização devida pelos bens reversíveis e a implementação de um plano formal de transição.
De acordo com a Corte Constitucional, a interrupção abrupta da prestação dos serviços pela concessionária comprometeria a correta avaliação dos ativos reversíveis, inviabilizaria o seu exercício pleno do direito de defesa e poderia causar danos materiais aos bens vinculados à concessão. Além disso, considerou-se o risco de descontinuidade do serviço público essencial prestado por meio da rodovia.
A concessão da liminar pelo STF gerou uma imediata e acentuada divergência interpretativa entre a K-Infra e o Ministério dos Transportes. No mesmo dia do seu deferimento (03 de julho de 2025), o Ministério emitiu uma Nota Oficial afirmando que a decisão da Corte não modificaria o cenário de caducidade do contrato da Rodovia do Aço, restringindo-se à finalização do cálculo de indenização. Neste sentido, a gestão permaneceria com o DNIT sem qualquer cobrança de pedágio, reiterando que o processo administrativo havia seguido rigorosamente os princípios do contraditório e da ampla defesa.
A K-Infra, por sua vez, refutou essa interpretação. Em sua petição ao STF, a concessionária argumentou que a postura do Ministério dos Transportes representava um manifesto e inequívoco descumprimento da liminar. A empresa sustentou que a decisão havia assegurado a ela a exploração da rodovia até a conclusão da transição operacional, contestando a suspensão imediata dos serviços. Solicitou à Corte que fosse reafirmada a liminar e determinadas providências administrativas para garantir seu cumprimento, o que deveria incluir a retomada da exploração da rodovia e a designação de uma audiência de conciliação para buscar o consenso.
Em 4 de julho, a concessionária anunciou publicamente que iria reassumir a concessão da Rodovia do Aço, contrariando a visão do governo e da ANTT que não vislumbravam aval para o seu retorno. Em 8 de julho, gradualmente, retomou algumas de suas atividades, com a reabertura da praça de pedágio em Barra do Piraí. Porém, apenas um dia depois, as operações foram novamente interrompidas por determinação do DNIT, o que foi levado ao conhecimento do STF, que se manifestou sobre o alcance da liminar, afirmando que esta se restringiria à finalização do cálculo de indenização à concessionária K-Infra, devendo a operação da rodovia permanecer sob responsabilidade do DNIT. Portanto, não haveria como se sustentar qualquer descumprimento da liminar por parte da administração federal.
Mas não é apenas o caso da Rodovia do Aço que ilustra os desafios práticos e jurídicos associados às concessões no setor de infraestrutura. Situação semelhante – objeto de judicialização e análises pelo Tribunal de Contas da União (TCU) com prorrogação da concessão em caráter precário – ocorreu no trecho da BR-040. Operado pela concessionária Concer desde 1996, o trecho sofreu duras críticas acerca do não cumprimento de obrigações relacionadas à recuperação, operação, manutenção, monitoração, conservação e implantação de melhorias na rodovia. Apesar de o termo final do contrato ser datado para março de 2021, a Concer permaneceu na operação por meio de sucessivas liminares judiciais, em regime precário que perdura até os dias atuais.
Um imbróglio em torno de termo aditivo assinado em 2013, que discutia o aporte, pelo governo, de recursos orçamentários no empreendimento da Nova Subida da Serra (NSS), bem como discussões no TCU1 acerca da ausência de base legal para tais desembolsos, levou ao pleito de reequilíbrio econômico-financeiro à via judicial. A concessionária alegou prejuízos, principalmente nas obras da NSS, comprovando, por meio de laudos técnicos, a inexistência de sobrepreço que havia sido suscitada pela Corte de Contas federal. A limitação de recursos decorrente da recomendação do TCU2 diante das supostas irregularidades agravou o desequilíbrio e inviabilizou uma solução administrativa para o contrato, a pretexto de buscar resguardar o erário.
Para mitigar a descontinuidade dos serviços, a Concer obteve decisões liminares que prorrogaram o contrato além do prazo final, inclusive até 15 de fevereiro de 2023. Entretanto, em 16 de fevereiro daquele ano, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), atendendo a um pedido da União, determinou o limite para essa permanência: após a conclusão da licitação em curso para concessão do mesmo trecho ou com a publicação da decisão final do processo judicial correlato. A presidente da Corte destacou os riscos gerados pela insegurança jurídica provocada por sucessivas prorrogações precárias, ressaltando a importância do princípio da continuidade do serviço público e alertando para a influência negativa dessas decisões sobre a confiança dos investidores no setor. A decisão também considerou que o DNIT não estava preparado para assumir a operação imediatamente.
Em abril deste ano, o Consórcio Nova Estrada Real sagrou-se vencedor do leilão promovido pela ANTT para operar o trecho com 14% de desconto na tarifa de pedágio. A concessão será assumida em 15 de agosto, possibilitando uma transição mais estruturada da gestão do trecho.
O que se nota, com a breve análise desses casos, é a excessiva judicialização no âmbito dos contratos de concessão, gerando a sua prorrogação precária e, consequentemente, incertezas para os agentes do setor, o que compromete a segurança jurídica e a atratividade de novos projetos. O caso K-Infra, especialmente, traz à luz o questionamento dos atos administrativos regulatórios, enquanto lança sombra acerca da independência das agências reguladoras e da força vinculante de suas decisões ao colocar em xeque a sua expertise técnica e independência política.
Explicita-se, assim, a necessidade de mecanismos regulatórios eficazes para a extinção contratual e resolução de conflitos, como repactuação assistida e mediação pública especializada, que possam garantir a segurança jurídica, continuidade dos serviços e proteção dos interesses públicos e privados.
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(1) - As discussões se dão no âmbito das TCs 023.204/2015-0 e 021.526/2017-6 e outros processos conexos.
(2) - ACÓRDÃO Nº 18/2017 – TCU – Plenário.