O tema da extensão dos direitos contratuais em regulamentos em planos de benefícios administrados por entidades fechadas de previdência complementar (EFPC) desafia muitas reflexões. Contratos tão longos podem ser alterados? Como funcionaria essa alteração? Como incide o direito adquirido e o direito acumulado previstos na Lei Complementar (LC) 109, de 29 de maio de 2001? Há regras sobre regime de gestão do plano, que não abrangem direitos contratuais?
Em recente enfrentamento desse difícil tema (o que os norte-americanos chamam de hard case), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu pela possibilidade jurídica da imposição de cessação do vínculo empregatício como condição de elegibilidade para concessão de benefício de previdência privada em planos patrocinados por entes vinculados à Administração Pública.
O julgamento analisou caso concreto no qual a condição de desligamento do patrocinador foi implementada no regulamento do plano de benefícios após a adesão do participante, em razão de alteração normativa promovida por força de lei.
Especificamente, o regulamento foi alterado para adequação ao comando do art. 3º, inciso I, da Lei Complementar 108, de 29 de maio de 20091, criando critério de elegibilidade não previsto quando da adesão do participante ao plano de benefícios.
O julgamento ocorreu no agravo interno em recurso especial nº. 2.189.813/SP (2012/0151722-0), por parte da Quarta Turma do STJ, sob a relatoria do ministro Raul Araújo, em sessão virtual realizada em maio de 2025, com decisão por unanimidade de votos no sentido de negar provimento ao recurso interposto pelo participante.
O ministro relator destacou que a Segunda Seção do STJ firmou entendimento, em sede de repercussão geral, sob a questão submetida a julgamento, conforme Tema nº 944 da Corte Superior.
Naquela oportunidade, foi fixada tese no seguinte sentido de que: “Nos planos de benefícios de previdência privada patrocinados pelos entes federados – inclusive suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e empresas controladas direta ou indiretamente -, para se tornar elegível a um benefício de prestação que seja programada e continuada, é necessário que o participante previamente cesse o vínculo laboral com o patrocinador, sobretudo a partir da vigência da Lei Complementar n. 108/2001, independentemente das disposições estatutárias e regulamentares“.
O entendimento se aplica inclusive àqueles casos nos quais o regulamento foi alterado posteriormente a adesão do participante, para adequação à norma legal contida no inciso I do art. 3º da LC 108/2001.
Nas palavras do relator: “não há ilegalidade na exigência de cessação do vínculo empregatício do participante com o patrocinador (empregador) como condição para a concessão da complementação de aposentaria, ainda que a alteração no plano de benefícios seja advinda de mudança legislativa posterior”.
A decisão é bastante objetiva no sentido de promover a uniformização de jurisprudência em conformidade com a tese fixada no precedente qualificado Tema 944 do STJ, valendo a recomendação de cautela conforme situação jurídica tutelada.
De fato, não há direito adquirido pelo participante anterior à reunião de condições de elegibilidade para concessão de benefício de aposentadoria, como preconiza o art. 17, parágrafo único, e art. 68, §1º, da LC 109/20012, embora o art. 17 preveja a proteção do direito acumulado.
Nesse sentido, nos casos em que é cabível, deve-se atentar para a existência de normas de transição que garantam o direito acumulado dos participantes, principalmente quando da existência de tutela jurídica específica sobre direitos constituídos de forma individualizada no plano de benefícios – ou seja, saldo de portabilidade, saldo de migração, distribuição de resultado superavitários e outros.
De todo modo, a decisão é relevante e mantém o entendimento pacificado em sede de precedente qualificado, afastando qualquer dúvida acerca da aplicação da tese fixada no Tema 944 do STJ, mesmo quando a adesão do participante se deu em momento anterior à promulgação da LC 108/2001.
------------------------------------------------------------------------------------------------------
(1)- Art. 3º Observado o disposto no artigo anterior, os planos de benefícios das entidades de que trata esta Lei Complementar atenderão às seguintes regras:
I – carência mínima de sessenta contribuições mensais a plano de benefícios e cessação do vínculo com o patrocinador, para se tornar elegível a um benefício de prestação que seja programada e continuada; e
II – concessão de benefício pelo regime de previdência ao qual o participante esteja filiado por intermédio de seu patrocinador, quando se tratar de plano na modalidade benefício definido, instituído depois da publicação desta Lei Complementar.
Parágrafo único. Os reajustes dos benefícios em manutenção serão efetuados de acordo com critérios estabelecidos nos regulamentos dos planos de benefícios, vedado o repasse de ganhos de produtividade, abono e vantagens de qualquer natureza para tais benefícios.
(2) - Art. 17. As alterações processadas nos regulamentos dos planos aplicam-se a todos os participantes das entidades fechadas, a partir de sua aprovação pelo órgão regulador e fiscalizador, observado o direito acumulado de cada participante.
Parágrafo único. Ao participante que tenha cumprido os requisitos para obtenção dos benefícios previstos no plano é assegurada a aplicação das disposições regulamentares vigentes na data em que se tornou elegível a um benefício de aposentadoria.
Art. 68. As contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstos nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência complementar não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos participantes.
§ 1º Os benefícios serão considerados direito adquirido do participante quando implementadas todas as condições estabelecidas para elegibilidade consignadas no regulamento do respectivo plano.
§ 2º A concessão de benefício pela previdência complementar não depende da concessão de benefício pelo regime geral de previdência social.