Autores: André Paulani Paschoa e Matheus Lencek


Introdução

A prova de conceito (POC), em inglês “proof of concept”, é um mecanismo técnico-operacional, de cunho facultativo, que a Administração Pública pode dispor em licitações, comumente utilizado na modalidade de pregão, em que o órgão público contratante convoca o licitante mais bem classificado na etapa competitiva da licitação para demonstrar uma amostra de seu produto perante sua equipe técnica.

A realização da prova de conceito pode ser considerada uma implementação resumida do objeto contratual, realizada estritamente com o propósito de verificar se o conceito apresentado pelo licitante é viável, sem prejuízo de modificações posteriores solicitadas pelo contratante e/ou aprimoramentos pelo contratado.

Trata-se de um instrumento estritamente em favor da Administração Pública, visando reforçar que o licitante efetivamente tem capacidade de executar, na prática, o objeto contratado e satisfazer o interesse público.

Tanto a doutrina quanto a jurisprudência entendem o uso da prova de conceito como uma evolução positiva do processo licitatório. Nesses termos, vale destacar os acórdãos ns. 2763/2013, 794/2017, 1667/2017, 2059/2017, todos do Plenário do Tribunal de Contas da União.

No entanto, não obstante a construção jurídica e a viabilidade da prova de conceito frente aos princípios e preceitos legais de nosso ordenamento jurídico, as únicas expressões em legislação nacional que a tem como objeto apareceram na nova – porém, ainda pouco utilizada – Lei Federal n. 14.133/2021, conforme artigos 17, § 3º e 41, inc. II. No primeiro dispositivo confirma-se a situação de excepcionalidade de uso no setor de serviços, enquanto no segundo reforça-se a necessidade de previsão editalícia.

Limita-se a isso a regulação normativa pátria. Como consequência, muitas são as divergências sobre a implantação e execução da prova de conceito em licitações, resultado em contestações administrativas e judicializações desnecessárias.

Em razão desse cenário fático, o presente artigo tem como objeto apontar alguns pontos controversos das provas de conceito e auxiliar a aplicação futura deste procedimento inegavelmente benéfico para a Administração Pública.

PONTOS SENSÍVEIS:

Momento de realização da prova de conceito

Inicialmente, é essencial reforçar que a prova de conceito deve ser realizada pela Administração Pública durante a fase externa da licitação, jamais na fase interna que precede a publicação do certame, conforme jurisprudência consolidada no TCU no âmbito do Acórdão 2059/2017-Plenário.

Isso pois o processo não servirá para auxiliar a Administração Pública na estruturação do edital e das premissas técnicas, mas, sim, para confirmar que o licitante melhor classificado tem a capacidade de honrar o contrato — justamente utilizando como base as premissas técnicas que a própria Administração definiu em edital.

Ou seja, não é um processo preparatório para licitação, mas uma etapa que deve ser conduzida pela Administração Pública, comumente ocorrida nos pregões após a fase recursal do certame, e antes da homologação e adjudicação. Por sua vez, a nova Lei de Licitações colocou a prova de conceito como parte da fase de julgamento. A despeito da novel previsão legal, sentimos que seria mais importante manter o procedimento do pregão, qual seja, só realizar a POC com o vencedor da licitação, evitando sacrificar recursos econômicos e humanos na avaliação de prova de conceito de licitantes detentores de propostas menos vantajosas.

Importa destacar que, no caso concreto, as provas de conceito são procedimentos que podem perdurar por vários dias de análises da amostra pelo licitante à equipe técnica da Administração Pública, de sorte que não é razoável avaliar todos os licitantes, prática que contrariaria o princípio da proporcionalidade e o conceito de agilidade do pregão.

No mais, também é importante destacar que a prova de conceito é um procedimento realizado e conduzido pela Administração Pública em favor de si mesma e, não obstante possibilitar o acompanhamento por terceiros, como apontaremos na sequência, não deveria ser compreendida como uma nova oportunidade para manifestar inconformismo.

Inclusive, equívocos no sentido de a prova de conceito ser uma etapa complementar de habilitação dos licitantes são usuais. No entanto, esse entendimento já foi exaustivamente refutado pelo Tribunal de Contas da União em razão da inexistência de previsão legal: “A prova de conceito, meio para avaliação dos produtos ofertados, pode ser exigida do licitante provisoriamente classificado em primeiro lugar, mas não pode ser exigida como condição para habilitação, por inexistência de previsão legal” (Acórdão 2763/2013, Min. Rel. Weder de Oliveira).

Necessidade de previsão em edital

A prova de conceito deve estar não apenas prevista no edital da licitação, como agora exige a nova Lei de Licitações, como seu procedimento também deve ser minuciosamente detalhado para assegurar um mecanismo de avaliação e julgamento dos critérios pré-determinados no próprio edital.

Ainda, sobre os preparativos para realização da prova de conceito, esses deverão estar predeterminados no edital de licitação, sendo certo que caberá ao redator do edital definir (i) a quantidade de dias da prova, (ii) as condições de apresentação da prova, (iii) as limitações ou não limitações de participação de terceiros, inclusive licitantes, (iv) os prazos e limites de horários e entre outros fatores.

Inegavelmente, a avaliação conduzia pelos funcionários públicos terá um cunho subjetivo, uma vez que a prova de conceito considera particularidades sobre serviços adquiridos por determinado órgão público específico.

O ponto essencial é que cada edital estabeleça, de forma clara, as premissas e critérios objetivos que serão aplicados, com o viés específico de assegurar a isonomia dos licitantes e a eliminação de julgamentos discricionários. Importante ressaltar que, frente a omissão do legislador, caberá ao órgão responsável extrema atenção nos critérios específicos no edital, de forma a apresentar mecanismo que prestigie a competitividade da licitação e harmonize a realização da prova com os demais princípios norteadores da Administração Pública.

Nessa esteira, é oportuno destacar que as licitações — em qualquer uma de suas modalidades — são públicas, com acesso do público a todos os atos de seu procedimento. Não é viável limitar o aspecto público e participativo do processo.

Tanto em pregões presenciais quanto em eletrônicos, é essencial que os atos da prova de conceito sejam realizados em ambiente controlado e aberto ao público, possibilitando a transparência e publicidade do certame e acompanhamento de todos os atos em linha ao princípio da publicidade.

Esse é, inclusive, o entendimento do Tribunal de Contas da União no Acórdão 1984/2008, de relatoria do Ministro Aroldo Cedraz, que ressalta a essencialidade de acompanhamento da prova de conceito pelos demais licitantes.

Isso não significa, no entanto, que todos podem se manifestar de forma livre e desimpedida. Essencial reforçar que o objeto da prova de conceito é satisfazer os anseios da Administração Pública perante si mesma. Esse ponto específico será tratado na sequência.

Participação de licitantes derrotados

Como já ressaltado, a prova de conceito deve ser realizada em sessão pública, sendo assegurado a todos seu acompanhamento, em prol do princípio da publicidade. Entretanto, especificamente naquelas realizadas após a fase recursal do pregão, não se assegura o direito de manifestações verbais ou orais de forma indiscriminada, sob pena de impossibilitar o andamento da prova de conceito e prejudicar, assim, o licitante detentor da melhor oferta.

Caberá ao redator do edital optar por vedar ou possibilitar manifestações no ambiente da prova de conceito, sendo certo que qualquer uma das opções é viável.

No caso de o edital proibir manifestações dos demais licitantes, não se trata de ilegalidade, sendo certo que a prova de conceito não é uma oportunidade de contestação e muito menos um requisito de habilitação.

Ademais, independentemente de como esteja disposto no edital, sempre será assegurado aos licitantes o respectivo direito constitucional de petição e, consequentemente, de apresentar manifestação formal ao órgão contratante com suas observações.

Por outro lado, caso o edital permita a participação de demais licitantes, é essencial que o instrumento convocatório também estipule um processo de participação que assegure ao licitante vencedor os mecanismos e prazos necessários para responder eventuais alegações. Ou seja, caso seja de interesse da administração colher os comentários e manifestações de demais licitantes, deverá a administração assegurar o direito ao contraditório ao licitante que apresentar a prova de conceito.

Condução da prova de conceito

Importante sinalizar que a prova de conceito, por consistir em fase processual do pregão, deve ser conduzida pela autoridade pública competente, qual seja, o pregoeiro.

Muito possivelmente o pregoeiro não possuirá o conhecimento técnico para avaliar a prova de conceito, e sequer poderia, vez que não será membro da comissão técnica de avaliação. No entanto, a participação do pregoeiro é, sempre, indispensável.

O pregoeiro é a autoridade máxima do pregão em todos seus momentos, sendo não apenas o responsável pela condução da sessão pública, coordenação das interações entre licitantes e equipe de apoio, como, ainda, é responsável por dirimir dúvidas e solicitar eventuais manifestações que se entendam necessárias.

Inclusive, especificamente para pregões eletrônicos, é sempre essencial ressaltar que o artigo 17 do Decreto Federal nº 10.024/2019 é taxativo ao dispor sobre a essencialidade do pregoeiro em sessões públicas.

CONCLUSÃO:

Certamente, o presente artigo não tem por objetivo eliminar todas as controvérsias das provas de conceitos, especialmente por ser um instrumento pouco regulamentado. A proposta apresentada é a de destacar pontos mais impactantes e que costumam gerar dúvidas, bem como aspectos comumente discutidos no campo, de sorte a contribuir com este procedimento que beneficia direta e indiretamente o interesse público.