O que podemos aprender com as experiências britânicas?
Autor: Renan Marcondes Facchinatto
Na semana de 8 a 12 de setembro, a Fundação Escola de Sociologia de São Paulo, por meio do MBA em PPPS, em conjunto com o Infrawomen Brasil, B3, Banco do Brasil, Programa de Parcerias em Investimentos – PPI, Secretaria do Tesouro Nacional – STN e as Universidades de Durham, no Norte da Inglaterra, e Heriot-Watt, em Edimburgo, realizaram o Infraleaders 2025. O programa consistiu em uma imersão profunda para que as grandes lideranças do setor de infraestrutura do Brasil pudessem aprofundar conhecimentos e trocar experiências com grandes mentes que pensam e, vale dizer, concretizam, projetos de infraestrutura no Reino Unido. Este breve ensaio visa apresentar alguns insights colhidos dessa experiência em nossa participação como sócio responsável pela área de infraestrutura e projetos estruturados do escritório.
A pergunta que abre o texto talvez chame a atenção. Afinal, estamos acostumados a pensar “na experiência britânica” e não “nas experiências britânicas”. Isso se deve, em grande parte, por ter se tornando “lugar comum” pensar “na experiência britânica”, no singular, em função do consagrado modelo “Private Finance Initiative – PFI”, que é centrado em PPPs de infraestrutura social de pagamento governamental. Mas, a verdade é que há mais de uma experiência britânica, especialmente na Escócia.
No caso da Escócia, recentemente foi desenvolvido um novo modelo de parcerias denominado “MIM – Mutual Investment Model”. Nele, há um contrato de parceria que envolve projeto, construção, financiamento privado e manutenção da infraestrutura. Além disso, há, a participação societária do Governo em até 20% da SPE.
Já há um projeto no setor de rodovia, a duplicação e modernização da Rodovia A9, em que essa sistemática foi adotada e o mais interessante é o modelo de remuneração: pagamento governamental por disponibilidade, de modo similar ao modelo PFI que se consagrou em infraestrutura social, mas com operação do serviço rodoviário e retenção integral do risco de demanda pelo governo. Ou seja, um modelo DBFM, que pode ser considerado PPP em sentido estrito, mas que não envolve a operação do serviço finalístico, como estamos acostumados, em rodovias, no Brasil.
Por outro lado, a quase integralidade dos riscos de projeto, construção, financiamento privado e manutenção da infraestrutura são transferidos ao parceiro privado. Diz-se quase integralidade, pois o Governo participa em até 20% da empresa do projeto, ou, como costumamos falar no Brasil, da concessionária do serviço. Mas, a questão talvez mais interessante é o fato de que o modelo MIM foi desenvolvido para ser contratado “fora do balanço do governo”.
No caso do MIM e no contexto escocês, admite-se que esse tipo de contrato seja feito “fora do balanço”, desde que haja alocação significativa de risco para o investidor privado. Isso guarda similaridade com o modelo de “concessão comum” brasileiro, em que isso ocorre em função da assunção substancial dos riscos de capital e de demanda. Mas, no caso do Projeto da Rodovia A9, o risco de demanda é retido pelo Governo, possivelmente, por ser uma rodovia em que ela é deficitária, mas, por outro lado, o risco de capital do investimento na duplicação é alocado na SPE.
No Brasil e demais países que adotam a sistemática do IFRS, ao menos em tese, não é possível fazer PPPs fora do balanço se o governo regula o serviço ou o bem e retém a propriedade residual da infraestrutura. Por isso mesmo, no Brasil não é possível fazer parcerias (inclusive concessões comuns) fora do balanço. Por outro lado, É fato que, no Brasil, ainda não há tratamento específico no MCASP para as concessões comuns que, normalmente, são feitas “fora do balanço” por não terem pagamento governamental.
Além disso, usualmente, contratos de parceria no setor de rodovias tendem a ser concessões comuns, embora existam contratos com pagamento governamental como a Rodovia dos Tamoios. Então, para nós, é estranho pensar numa “concessão” de rodovia que não integra a operação do serviço público e a gestão integral ou substancial do risco de demanda. O caso escocês é justamente isso: uma parceria de pagamento governamental num setor tipicamente marcado pela nossa visão de concessões comuns, mas com um modelo contratual mais comumente associado a PPPS de infraestrutura social.
Ou seja, da perspectiva brasileira, teríamos uma “concessão administrativa” feita “fora do balanço”, com pagamento governamental por disponibilidade de um “serviço público” tradicionalmente remunerado, substancial ou integralmente, por cobrança de tarifa. Além de muito diferente da experiência britânica “tradicional”, é ainda mais diferente dos modelos brasileiros, que ainda agregam complexidade em função de adotarmos terminologias locais muito distintas das internacionalmente consagradas. Essa parte da imersão foi fundamental para termos uma visão muito enriquecedora de como outras estratégias estão se desenvolvendo no próprio Reino Unido, mas mais ainda, para reforçar a necessidade de visão sistêmica e capacidade de navegar entre as complexidades da linguagem brasileira e suas particularidades e vicissitudes.