Neste artigo, pretendemos analisar o poder e a atuação do Inventariante nas sociedades e companhias em geral, notadamente quanto ao exercício do direito de voto atribuído às ações e às quotas que pertençam ao espólio, enquanto não concluída a partilha entre os herdeiros.

Abordaremos as situações em que a autorização judicial pode ser medida necessária para o exercício do voto pelo Inventariante, especialmente naquelas de potencial conflito de interesses.

Atuação do Inventariante: Natureza da Representação, Poderes e Limitações

Nos termos do Artigo 618 do Código Civil Brasileiro (CCB), incumbe ao Inventariante: I – representar o espólio ativa e passivamente, em juízo ou fora dele, observadas as restrições legais; II – administrar o espólio, velando-lhe os bens com a mesma diligência que teria se fossem seus; (...); V – prestar contas de sua gestão ao deixar o cargo ou sempre que o juiz lhe determinar; (...); VII – praticar todos os atos necessários à conservação e à frutificação do espólio.

Segundo Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha, o Inventariante é o representante processual do espólio, ou seja, atua em seu nome, em juízo e fora dele. Essa representação é exclusiva até a partilha, ato que põe fim ao espólio e opera a repartição do patrimônio do falecido, sendo que, até que ocorra a transmissão aos coerdeiros, a posse e propriedade das ações /quotas são indivisíveis, não podendo agir cada um isoladamente, salvo para defesa de direitos próprios[1].

Neste sentido, na lição do ilustre Professor Nelson Nery Jr.[2], o Inventariante deve velar pelo patrimônio do espólio com a mesma diligência que teria se fosse seu, e se agir de forma contrária ao interesse da herança, poderá ser responsabilizado e até removido.

Nas palavras de Humberto Theodoro Jr. quando o ato ultrapassar a administração ordinária (como alienar bens, transigir ou deliberar em assembleias que alterem substancialmente uma sociedade) é preciso autorização judicial (Artigo 619 do Código de Processo Civil - CPC)[3], entendendo, a melhor doutrina, que os poderes do inventariante se restringem à administração ordinária dos bens do espólio.

Por derradeiro, Araken de Assis[4] menciona que a prestação de contas do Inventariante pode ser exigida a qualquer momento pelo juiz ou pelos herdeiros, o que reforçaria o caráter fiduciário da sua função. Teria, portanto, o inventariante a função de administrador provisório, cabendo-lhe atos de conservação e frutificação do patrimônio. Há, inclusive, precedentes[5] que reforçam a representação do espólio pelo Inventariante e a ideia de administração transitória.

Recentemente, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou alterações relevantes no texto da norma[6] que trata da lavratura de atos notariais relacionados a inventário e partilha por via administrativa, visando conferir agilidade aos mesmos, consolidando a atuação do inventariante. Esta alteração permitiu ao Inventariante representar o espólio na busca de informações bancárias e fiscais, e alienar móveis e imóveis de propriedade do espólio, independentemente de autorização judicial, observadas determinadas premissas (incluindo o recolhimento antecipado de impostos e a prestação de garantia, real ou fidejussória, pelo Inventariante, quanto à destinação do produto da venda). Permanece necessária a autorização judicial nos casos em que o Ministério Público (nas hipóteses e que é mandatória a sua manifestação) ou terceiro interessado apresentar impugnação, para atos de disposição (alienação de bens, transação, pagamento de dívidas e outros) que impactam substancialmente o espólio.

O exercício do direito de voto pelo Inventariante nas assembleias das companhias cujas ações pertencem ao Espólio

Como mencionamos, incumbe ao Inventariante ocupar a posição do falecido nas relações jurídicas de direito material e processual. É nesse contexto que se submetem as participações societárias titularizadas pelo de cujus, ou seja, as ações ou quotas representativas da participação do falecido, passam, a partir do óbito, a integrar o conjunto indivisível de bens, direitos e obrigações do espólio, figurando o Inventariante como seu representante.

Somente com a partilha é efetivada a transferência da titularidade das participações societárias do de cujus aos seus herdeiros[7] e enquanto não concluída, os herdeiros do sócio falecido são coproprietários[8], regendo-se o acervo hereditário pelas normas relativas ao condomínio[9] pro indiviso. Não se sustenta a tese no sentido de que a posição de acionista da companhia é assumida, automaticamente, a partir do falecimento, independentemente de qualquer formalidade [10]. Faz-se necessário, portanto, que ocorra a partilha e até o encerramento do procedimento sucessório, incumbirá ao Inventariante o exercício dos direitos decorrentes das ações ou quotas do espólio, inclusive o de voto nas assembleias e reuniões das sociedades da qual o falecido participava como sócio ou acionista.

Para Fabio Ulhoa Coelho, se o de cujus era sócio controlador, enquanto não ocorrer a partilha das ações componentes do patrimônio sucessível, exercerá o Inventariante, em sua integralidade, o poder de controle[11]. Caberá ao inventariante, por exemplo, neste intervalo, votar sobre as contas dos administradores, examinar livros, ingressar com ação de prestação de contas, deliberar sobre dividendos e participações nos lucros da sociedade. O conteúdo do voto a proferir, por exemplo, numa assembleia, será inteiramente definido pelo Inventariante, respondendo pelos atos que praticar nesta condição. Neste giro, a solução do direito societário concentra no Inventariante o exercício de todos os direitos correspondentes às ações detidas pelo de cujus, e tem, também, por finalidade impedir que conflitos entre os sucessores afetem a vida social da empresa[12].

Em determinadas situações, ao conceder o imediato, amplo e irrestrito poder de voto ao Inventariante como administrador do espólio, estar-se-ia assinando um cheque em branco, já que lhe possibilitaria aprovar sozinho qualquer pauta alusiva à sociedade[13].

A jurisprudência reconhece que o Inventariante tem limites para exercer atos societários que possam alterar, por exemplo, o controle ou beneficiar apenas alguns herdeiros (como converter ações, alienar quotas, votar no sentido de mudar a estrutura societária).

Em recente julgado, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ)[14] traçou limites à atuação do Inventariante como representante do espólio nas assembleias de acionistas e reuniões de sócios, tendo sido pacificado pela Terceira Turma, acompanhando o voto do Ministro Relator que os poderes de administração do Inventariante estariam limitados àqueles relativos à administração ordinária, praticados para conservação dos bens até a futura partilha.

No referido julgado, decidiu-se que o Inventariante que almejar alterar o estatuto social da companhia da qual o falecido era sócio, a fim de permitir a conversão de ações preferenciais em ordinárias, sob o argumento de atender o interesse da maior parte dos herdeiros, poderia determinar a modificação do controle acionário da companhia, de modo que a aprovação de tal deliberação, explicativamente, estaria extrapolando os limites legais da sua atuação. Portanto, a aprovação de deliberação que ensejasse a modificação da natureza das ações e/ou da estrutura de poder da sociedade extrapolaria os limites de gestão ordinária e de conservação do patrimônio.

Partindo deste princípio, há situações em que o juízo poderá determinar suspender ou mesmo restringir o poder do inventariante de votar ou de praticar atos societários, notadamente quando há questionamento de herdeiros ou quando a matéria, objeto da deliberação, é considerada extraordinária ou excede o escopo legal de sua atuação.

Por outro lado, no curso dos procedimentos de inventário e partilha e, levando-se em consideração a necessidade de continuidade e o dinamismo das atividades e negócios sociais, a gestão do Inventariante e o exercício do voto pode ter que abranger matérias relevantes, e que podem conflitar com os interesses dos coerdeiros.

A atuação do Inventariante em Situações que Representem Conflito de Interesses

Nos casos em que houver conflito entre herdeiros ou se o Inventariante for também sócio ou acionista, com interesses próprios ou mesmo conflitantes, questiona-se se qual a melhor solução a ser adotada, seguindo-se a interpretação das diversas regras pertinentes, trazidas pela interpretação sistemática do CCB e do CPC.

Nestas situações conflituosas, ou ainda para a prática de atos extraordinários de gestão, o dever de cautela exigiria ao Inventariante consultar os demais herdeiros e obter a devida aprovação ou  autorização do juiz do inventário, conduta que se coaduna, inclusive, com as premissas estabelecidas pelo artigo 115, caput e § 1º, da Lei 6.404/1975 (LSA): O acionista deve exercer o direito a voto no interesse da companhia; considerar-se-á abusivo o voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas. § 1º O acionista não poderá votar nas deliberações da assembleia geral relativas ao laudo de avaliação de bens com que concorrer para a formação do capital social e à aprovação de suas contas como administrador, nem em quaisquer outras que puderem beneficiá-lo de modo particular, ou em que tiver interesse conflitante com o da companhia.

Se houver divergência entre herdeiros ou conflito de interesses, caberia ao juiz do inventário decidir. Porém, a jurisprudência sobre o tema é, ainda, relativamente restrita, restando, entretanto, pacífico que, enquanto não realizada a partilha, o coerdeiro possuiria a legitimidade ativa para a propositura de ação que visa à defesa do patrimônio comum deixado pelo de cujus [15].

Conclusão

Podemos inferir que os herdeiros não podem deliberar diretamente, enquanto não ultimada a partilha, cabendo ao Inventariante o exercício dos direitos societários decorrentes das ações ou quotas do espólio, inclusive o de voto, que, entretanto, deve se restringir aos limites da administração ordinária, votando com boa-fé e segundo os interesses do espólio, com a mesma responsabilidade que a lei lhe confere em razão da administração dos demais bens, de qualquer natureza, deixados pelo falecido.

O Inventariante deve atuar com imparcialidade, sempre no interesse do espólio, como um todo. Caso os herdeiros e sucessores não concordem com o Inventariante, a via correta é provocar o juízo do inventário. Se houver conflito, o Inventariante deveria ter a cautela de se abster de exercer o voto e submeter a matéria ao juízo do inventário.

Assim, quando o acervo do espólio envolve participação em sociedades operacionais, é fundamental planejar a sucessão, através da celebração de instrumentos jurídicos que possam definir regras, ainda que transitórias, sobre o controle e o exercício do direito de voto, de modo a evitar a descontinuidade da gestão e das atividades empresariais, decorrente de situações conflituosas ou de impasse, que determinem a intervenção judicial e impeça a tomada de decisões, por vezes, urgentes, em matérias econômica, financeira ou operacionalmente complexas, e cuja demora possa prejudicar os negócios e os resultados da companhia.

[1] DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil: Processo de Execução e Cumprimento de Sentença, Processo nos Tribunais e Meios de Impugnação às Decisões Judiciais. 18. ed. Salvador: JusPodivm, 2023. DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Comentários ao Código de Processo Civil. v. 6. Salvador: JusPodivm, 2021. (Comentário ao art. 618).

[2] NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 17. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2024. (Comentário ao art. 618 do CPC).

[3] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. v. 2. 64. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2023. (Capítulo sobre inventário e partilha, comentário ao art. 618 e 619 do CPC).

[4] ASSIS, Araken de. Manual do Processo de Inventário e Partilha. 8. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022.

[5] REsp 1.953.211/RJ Rel. Min Nancy Andrighi; 3 Turma, julgado em 15/2/2022

[6] Resolução CNJ 452/2024, que alterou a Resolução CNJ 35/2007

[7] REsp 1.953.211/RJ (3ª Turma, DJe 21/03/2022)

[8] COELHO, Fábio Ulhoa. Lei das Sociedades Anônimas Comentada, Editora Forense, 2021

[9] Resp 1.192.027/MG Rel. min. Massami Uyeda, 3ª Turma, julgado em 19/0/2010

[10] REsp. 1.953.211/RJ, Rel. Min. Nancy Andrigh,

[11] Obra cit.

[12] Comentário de Raquel Sztajn ao art. 1.056 do Código Civil (art 28 da LSA) (AZEVEDO, Álvaro Villaça (coord.) Código Civil Comentado, São Paulo, Atlas, 2008 v. XI

[13] Trecho do voto do Min. Rel. Ricardo Villas Boas Cueva no REsp. 1.627.286/GO, antes citado.

[14] REsp 1.627.286/GO, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Turma, DJe 03/10/2017 (Informativo 612)

[15] REsp 2014/0205220-5, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 21/06/2016