Foi promulgada, no dia 23 de julho, com vigência imediata, a Lei nº 15.177, que estabelece cotas para mulheres no preenchimento de cargos para os conselhos de administração de sociedades estatais.

As estipulações de cotas em razão de gênero ou de raça vêm sendo adotadas, há algum tempo, por diversos países democráticos, especialmente para admissão de estudantes em universidades ou de candidatos a cargos em concursos públicos. A prática vem sendo utilizada como forma de se alcançar uma sociedade mais justa, resgatando direitos atingidos por condutas passadas discriminatórias que eram amplamente toleradas. Dessa forma, busca-se acelerar a desejada igualdade de tratamento. 

Embora a redação do art. 2º da Lei nº 15.1771 padeça de clareza, a interpretação sistemática dos diversos dispositivos leva à conclusão de que as empresas privadas, inclusive companhias abertas, não se submetem à sua disciplina. As cotas se aplicam tão somente às empresas estatais, quais sejam, as sociedades de economia mista, suas subsidiárias ou controladas, e empresas públicas, federais, estaduais ou municipais. 

De modo a permitir a adaptação gradual ao percentual instituído, a Lei nº 15.177/25, em seu art. 3º, previu que o atingimento dos 30% se dê ao longo do tempo, após a entrada em vigor da lei, da seguinte forma:

  • 10%, a partir da primeira eleição para os cargos do conselho de administração;
  • 20%, a partir da segunda eleição; e
  • 30%, a partir da terceira eleição.

 

Estipulou-se na lei, ainda, que pelo menos 30% das vagas assim reservadas devem ser preenchidas por mulheres negras ou com deficiência2 e que se o número resultante do percentual aplicado se constituir em fração, deve ser arredondado para baixo (se a fração for menor que 0,5) ou para cima (se igual ou maior que 0,5).3

Quanto às companhias abertas não estatais, o art. 6º da Lei nº 15.177 tem um conteúdo programático, não impositivo, pois prevê a possibilidade de o Poder Executivo vir a instituir programa que incentive a sua adesão a esse regime de cotas. 

É pertinente lembrar que, conforme estipulado no Decreto nº 8.945/2016, que regulamenta a Lei das Estatais (Lei nº 13.303/2016), todas as empresas estatais federais, ressalvadas as subsidiárias de capital fechado, devem ter conselho de administração.4 Essa exigência difere, essencialmente, do regime que se aplica às sociedades anônimas privadas em geral, sujeitas à Lei das S.A. (LSA – Lei nº 6.404/1976), para as quais somente se requer conselho de administração se a companhia for aberta ou de capital autorizado.(5)

A exigência de que as companhias abertas privadas tenham conselho de administração deve-se ao fato de essas sociedades captarem recursos junto ao público e admitirem, assim, em seus quadros acionários, inúmeros investidores. Por essa razão, a lei societária criou um órgão como o conselho de administração, que é formado por pessoas eleitas pelos diversos acionistas, inclusive minoritários e detentores de ações sem direito a voto. Os conselheiros de administração exercem um papel tanto de fixação da orientação geral dos negócios sociais, quanto de fiscalização da gestão dos diretores, de modo a assegurar aos acionistas participação e proteção mais eficazes. 

No que diz respeito à divulgação de informações sobre o que denominou “política de equidade”(6) a ser adotada pelas sociedades, a Lei nº 15.177 alterou dispositivos da LSA e da Lei das Estatais para exigir que os respectivos relatórios de administração passem a fornecer dados sobre (a) a quantidade e a proporção de mulheres empregadas, por níveis hierárquicos, (b) a quantidade e a proporção de mulheres que ocupam cargos na administração, (c) o demonstrativo da remuneração fixa, variável e eventual, segregada por sexo, relativa a cargos ou funções similares, e (d) a evolução comparativa dos indicadores previstos nos itens (a), (b) e (c) entre o exercício findo e o exercício anterior, dentre outras informações pertinentes. (7)

A fiscalização da observância de participação de mulheres nos conselhos de administração das estatais ficará a cargo dos órgãos de controle externo e interno das três esferas de governo. 

Desperta atenção, no entanto, dispositivo que prescreve que, nas sociedades empresárias em que não se observem as cotas impostas, o conselho de administração ficará impedido de deliberar sobre qualquer matéria.(8) 

Trata-se de penalidade demasiadamente severa, que atinge frontalmente o funcionamento da sociedade. Ainda que se entenda que o objetivo dessa determinação seja o de garantir a efetividade da norma, a sanção não parece ser a melhor solução, diante do papel exercido pelo conselho de administração na governança corporativa e na definição das diretrizes estratégicas da empresa, pois, afinal, esse impedimento pode vir a ferir o interesse social e causar prejuízos tanto à própria sociedade quanto aos acionistas. A norma deveria levar em consideração que sua observância compete aos próprios acionistas, dentre os quais os entes públicos detentores do controle da sociedade, pois cabe a eles, em assembleia geral, eleger os conselheiros. 

Futura regulamentação poderá esclarecer as ambiguidades e estabelecer diretrizes mais precisas para garantir a implementação efetiva da Lei.

 

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1- “Art. 2º As sociedades empresárias a seguir elencadas devem reservar a mulheres 30% (trinta por cento), no mínimo, das vagas de membros titulares de seus conselhos de administração: I – empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias e controladas e outras companhias em que a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Município, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto; II – companhias abertas, facultada sua adesão à reserva de vagas prevista no caput deste artigo.”

2- V. §1º do art. 2º e o parágrafo único do art. 3º, segundo o qual a reserva de que trata o § 1º do art. 2º somente entrará em vigor após atingida a reserva obrigatória de 30% prevista no caput do referido artigo.

3- V. § 2º do art. 2º.

4- V. art. 31 do Decreto nº 8.945/2016. A Lei nº 6.404/1976, em seu art. 239, contempla a obrigatoriedade de conselho de administração para as sociedades de economia mista, o que se justifica tendo em vista a sua natureza, que pressupõe a participação, em seu capital, do setor privado.

5- Art. 138, § 2º, da Lei nº 6.404/76.

6- V. arts. 7º e 8º da Lei nº 15.177. No art. 8º, que alterou a Lei das Estatais, a expressão utilizada é “política de igualdade entre homens e mulheres”.

7- Art. 133, § 6º, da LSA e art. 8º, X, da Lei das Estatais.

8- Cf. o art. 5º da Lei nº 15.177: “Art. 5º Será impedido de deliberar sobre qualquer matéria o conselho de administração da sociedade empresária referida no inciso I do caput do art. 2º que, por qualquer razão, infringir o disposto nesta Lei.”