A reflexão sobre uma sociedade fixada na “cultura da sentença” explica a interpretação monopolista que se aplicava ao acesso à “ordem jurídica justa”, como se referia a saudosa Professora Grinover, a qual se contrapõe à ideia de uma sociedade que seja capaz de resolver seus conflitos sem a intervenção estatal. Nesse sentido é que, igualmente, se explica a visão do direito processual civil como o ramo do Direito que era ocupado com regramentos fundamentalmente jurisdicionais.

Contudo, as ideias de autocomposição e consensualismo, tomaram espaço nas últimas décadas, alargando as vias de solução para além das “portas” do Poder Judiciário (restrita, então, às soluções adversariais) e ganharam relevância em legislação própria e no CPC, ultrapassando a desconfiança na efetividade de formas não adversariais de solução de conflitos, ou seja, modelos cuja solução do litígio que não passa por sentença judicial.

A presença da tecnologia é uma realidade que permeia as relações humanas, empresariais e nacionais e se acentuou nos anos 2020/2021, em virtude da pandemia Covid-19. Com as profundas alterações sociais e a popularização das práticas digitais em amplitude global, seja nas relações públicas, privadas, comerciais e intrapessoais, as controvérsias surgidas no ambiente virtual passaram a exigir novos modelos de soluções.

Digno de se citar que a tendência à virtualização do processo não surgiu com a pandemia Covid-19, acentuou-se, mas a antevisão acerca dos meios digitais já se encontra delineada no art. 21 da Lei de Mediação (o convite para início do procedimento de mediação extrajudicial poderá ser feito por qualquer meio de comunicação) ou o art. 46 da mesma lei, que autoriza a mediação feita pela Internet ou qualquer outro meio de comunicação que permita transação a distância. Ainda o art. 6º, X, da Emenda nº 2, que alterou a Resolução nº 125 do CNJ, permite a criação de Sistema de Mediação e Conciliação Digital ou a distância para atuação pré-processual de conflitos. Ainda, o art. 334, § 7º, do novo Código de Processo Civil prevê que a audiência de conciliação e mediação poderá realizar-se por meios eletrônicos.

O método conhecido por ODR – On Line Dispute Resolution adquiriu protagonismo, acompanhando o crescimento das transações comerciais on-line e outros segmentos de serviços, que fomentaram suas atividades de forma remota.

Especialmente em relação às controvérsias que emergem do comércio on-line, as soluções de modelos extrajudiciais e, igualmente, digitais se coadunam com a essência do novo mercado digital: a mesma agilidade que é característica da prestação do serviço e das transações comerciais on-line é imprimida à solução de controvérsias que venham a emergir das referidas transações.

Assim, ODR remete a dois vieses: (i) solução extrajudicial; e (ii) autocompositiva.

As experiências da plataforma e-Bay (dos Estados Unidos) e Mercado Livre (América do Sul) refletem o conteúdo e significado do método ODR, que se aparelha, fundamentalmente, de ferramentas de Inteligência Artificial – IA. Assim, os recursos de Inteligência Artificial – IA servem para prover o diagnóstico/triagem da controvérsia (por exemplo: defeito do produto, insatisfação com o resultado, atraso na entrega entre outros), disponibilização de canais de comunicação (call center e feedback) e canais de mediação automatizada, com indenizações e descontos fixados com base em algoritmos.

Ainda dentre as ferramentas de Inteligência Artificial se construíram incentivos negativos aos fornecedores/vendedores dos marketplaces digitais, que acabam por estimular a solução dos conflitos, pois as reclamações de consumidores envolvem impactos reputacionais imediatos ao fornecedor/vendedor alvo da reclamação.

ODR, portanto, como espécie do gênero de soluções extrajudiciais, baseiam-se na utilização dos recursos da tecnologia e Inteligência Artificial para o alcance de soluções, sem a interveniência da tutela jurisdicional.

A ampliação de “espaços” para a solução de conflitos, que desbordam o espaço judicial, envolvendo outros mecanismos como a mediação, conciliação e arbitragem em ambientes e instituições privadas concretiza a expressão “multi-door courthouse” (traduzida, em português, por “sistema multiportas”) concebida pelo Professor Frank Ernest Arnold Sanders, da Universidade de Harvard e retrata a profusão de espaços autocompositivos e heterocompositivos onde o processo judicial figura como um dos modelos de solução, mas não o único.