No dia 02 de junho de 2025, o Poder Executivo Federal editou o Decreto n° 12.479/2025, que declarou a caducidade da concessão de titularidade da Concessionária K-Infra Rodovia do Aço S.A. referente à operação de aproximadamente 200 quilômetros da BR-393/RJ – conhecida como “Rodovia do Aço”. O Governo alegou descumprimentos contratuais e legais por parte da K-Infra, incluindo problemas estruturais, deficiências na manutenção e atrasos em obras previstas que comprometem a segurança viária, a fluidez do tráfego e a qualidade do serviço prestado aos usuários.

Com a edição do Decreto, enquanto um novo projeto de concessão é elaborado pela Infra S.A., o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) assumirá a administração do trecho anteriormente operado pela K-Infra, que liga os estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro e é considerado um importante corredor logístico por servir como eixo de escoamento industrial e rota de mobilidade regional. Ressalta-se que o prazo contratual da concessão era de 25 anos, contados desde 26 de março de 2008.

 

A caducidade recém declarada é resultado de um embate jurídico e regulatório entre a K-Infra, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e o Ministério dos Transportes (MT) que perdura desde 2022 – quando a agência reguladora aprovou a instauração de processo administrativo de caducidade em face da concessionária. 

Em novembro de 2021, a K-Infra apresentou um requerimento voltado à qualificação e à instauração de processo de relicitação da BR-393/RJ, na forma da Lei n° 13.448/2017 e no Decreto n° 9.957/2019. Embora a Superintendência de Infraestrutura Rodoviária (Surod) e a Procuradoria Federal junto à ANTT (PF/ANTT) tenham concluído pela viabilidade técnica e jurídica do requerimento apresentado pela concessionária, o Relatório de Análise de Impacto Regulatório (AIR) apresentado pela Surod indicava a declaração de caducidade como a ação mais apropriada. Isso porque, numa análise preliminar, os valores devidos pela K-Infra à ANTT, a título de multas, excedia em muito o valor que a agência reguladora deveria desembolsar para indenização dos investimentos vinculados a bens reversíveis à União ainda não depreciados ou amortizados. 

Em atendimento à indicação do Relatório de AIR, a Surod apresentou uma outra minuta de deliberação à Diretoria Colegiada da ANTT para declarar a caducidade da concessão – a qual foi adotada pela Diretoria da agência em novembro de 2022. Nos termos do voto do diretor-relator, fez-se necessário aderir à AIR e recomendar a declaração de caducidade, “seja pela incapacidade da concessionária, seja pelo inadimplemento contumaz nas diversas obrigações contratuais ao longo desses quase 15 anos de concessão[1]

Novos contornos do imbróglio foram vistos no final de setembro de 2024, quando, por meio da Portaria n° 926/2024, não se admitiu o requerimento de repactuação e otimização do contrato de concessão da rodovia formulado pela K-Infra em 2023. De acordo com algumas fontes que participaram das negociações, o Tribunal de Contas da União (TCU) entendeu que a otimização seria inviável diante do elevado montante de pendências da K-Infra inscritas na dívida ativa da União e da aparente incapacidade da concessionária de se financiar para implementar os investimentos pretendidos; assim, foi dado prosseguimento à formalização da caducidade por meio do encaminhamento do decreto à Presidência da República.

Ante a possibilidade de ser afastada da concessão da BR-393/RJ, no início de outubro de 2024, a K-Infra ajuizou uma Ação de Procedimento Comum[2], pleiteando uma tutela antecipada em caráter antecedente para suspender o processo de caducidade e a Portaria n° 926/2024 até o julgamento final da demanda e/ou a realização, pelo MT, da análise da alternativa de otimização do contrato de concessão em face da caducidade. 

A sentença foi desfavorável à concessionária, tendo sido reconhecidas a competência e a legitimidade da decisão da ANTT quanto à caducidade, sob o argumento de que o controle judicial de atos administrativos não deve ser amplo e ilimitado. 

Em seguida, em sede de Agravo de Instrumento, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) acolheu a pretensão da concessionária, suspendendo o processo de caducidade e a Portaria até o julgamento de mérito da demanda – o que permitiu a continuidade da operação da BR-393/RJ pela empresa. 

A decisão destacou que os motivos para declaração de caducidade da concessão seriam a cobrança de multas transitadas em julgado por meio de execuções fiscais e um suposto descumprimento de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) celebrado entre a ANTT e a K-Infra. Porém, verificou-se que a quantia de R$ 68.240.462,72 estava garantida nas execuções fiscais ajuizadas, tanto por bloqueio judicial como por seguro-garantia, além de o descumprimento do TAC pela concessionária não ter sido apreciado de forma definitiva por conta de vícios formais na condução do processo administrativo n° 50500.153343/2013-36. Tais fatos, aliados ao risco iminente de sofrer a decretação de caducidade da concessão, levaram ao deferimento da tutela em caráter antecedente requerida pela K-Infra em outubro de 2024.

De todo modo, a proteção judicial precária conferida à concessionária foi prejudicada pela prolação de acórdão no âmbito do Agravo Interno Cível interposto pela União e pela ANTT contra a decisão proferida no julgamento do Agravo de Instrumento. No dia 26 de maio de 2025, a Sexta Turma do TRF-1, por unanimidade, considerou que o ato administrativo de declaração da caducidade estava devidamente motivado pelo Relatório de AIR da ANTT. Segundo o entendimento exposto no acórdão, foram analisadas medidas alternativas e se concluiu pela adequação da caducidade em razão do descumprimento reiterado de obrigações contratuais e da incapacidade econômico-financeira da concessionária em prestar o serviço, sendo necessário, portanto, aplicar a deferência judicial a decisões técnicas.

Dessa forma, nos termos do voto do desembargador-relator, a Turma revogou a decisão anterior de antecipação de tutela recursal proferida no Agravo de Instrumento e manteve a decisão do magistrado no sentido de legitimar a decisão da ANTT pela caducidade da concessão.

 A situação da concessionária se tornou ainda mais delicada com a recente edição do Decreto n° 12.479/2025, que declarou a caducidade da concessão e, portanto, tornou necessária a administração da Rodovia do Aço pelo DNIT até a elaboração de um novo projeto. De acordo com Viviane Esse, secretária nacional de Transporte Rodoviários, a relevância da decisão não se restringe unicamente à penalização da empresa, pois “ao declarar a caducidade, o governo está sinalizando ao mercado um compromisso com a qualidade da infraestrutura nacional e com o rigor na fiscalização e no cumprimento dos contratos de concessão”. Por sua vez, o ministro dos Transportes, Renan Calheiros Filho, em maio deste ano, já havia informado que a intenção do Governo era insistir na conclusão do processo de caducidade.

Cumpre lembrar que a K-Infra, em conjunto com a Galápagos Capital, foram as vencedoras do leilão da Rota da Celulose realizado no dia 08 de maio de 2025, ao apresentarem proposta de 9% de desconto sobre a tarifa de pedágio somada a uma outorga de R$ 217,4 milhões. O certame contou com uma participação significativa de players financeiros – o que demonstra um movimento atual e crescente desses agentes em direção ao setor de infraestrutura. Tal observação é corroborada quando se constata que a XP, em consórcio formado com construtoras, apresentou uma oferta de 8% de desconto sobre a tarifa de pedágio e ocupou a segunda posição do leilão.

Na ocasião, ao ser questionado quanto à capacidade da K-Infra para cumprir o contrato de concessão celebrado, tendo em vista os inadimplementos relacionados à concessão da Rodovia do Aço, o ministro dos Transportes destacou que a empresa somente integra o consórcio vencedor – do qual não é a líder – e não poderia impedi-la de participar do certame, uma vez que preenchia os requisitos para tanto. 

Pelo fato de a Galápagos Capital ser a líder do consórcio vencedor, Renan Calheiros Filho enfatizou que está otimista com o cumprimento das obrigações da concessão da Rota da Celulose, cujo montante de investimentos previstos é de R$ 6,9 bilhões. Ademais, segundo o ministro, o contrato referente à concessão da Rodovia do Aço é mais antigo e apresenta diferenças relevantes em relação aos contratos atuais, que “são mais modernos, tem mais capacidade de ‘enforcement’ para garantir o cumprimento das obrigações”.

Ainda assim, a confirmação da caducidade da concessão da Rodovia do Aço pelo Decreto n° 12.479/2025 foi suficiente para a XP protocolar recurso questionando o atestado de capacidade técnica e financeira da K-Infra, além de ter afirmado que uma parte dos documentos apresentados pelo consórcio vencedor foram emitidos intempestivamente em relação ao prazo previsto pelo edital. No recurso, a XP pleiteou a inabilitação da vencedora e a realização de diligências pela ANTT com o objetivo de averiguar o atestado técnico e a capacidade financeira da concessionária. 

A K-Infra lida, ainda, com certa desconfiança do setor, devido à sua estrutura societária apontada como pouco transparente. Controlada pelas norte-americanas Group K2 Holding e Group 2GK LLC Holdings, a empresa já foi alvo de críticas em 2019 por não revelar seus acionistas. Como justificativa, a empresa alegou que seus investidores, fundos americanos, preferiram não se identificar por questões de compliance, e manteve o sigilo quando questionada novamente em maio.

Diante do cenário crítico, a K-Infra informou que impetrará um mandado de segurança perante o Supremo Tribunal Federal contra a decisão que declarou a caducidade da concessão. A empresa argumenta que a medida foi tomada sem respeitar o direito ao contraditório, à ampla defesa e ao devido processo legal. Além disso, destacou que assumiu a concessão da BR-393/RJ em uma situação crítica, herdando multas, ações judiciais e obras não realizadas pela concessionária anterior — que seria a responsável por 96% das penalidades em vigor. 

Nota-se como a caducidade da concessão da K-Infra referente à Rodovia do Aço expõe falhas substanciais em contratos de concessão antigos – as quais estão atreladas principalmente a modelagens defasadas que levam a conflitos e inadimplementos prejudiciais aos particulares e ao Poder Público. Nesse ponto, vale destacar que os esforços da ANTT para lidar com esses contratos estressados, por meio de mecanismos de otimização e repactuação contratual, embora possam representar uma evolução regulatória ímpar no setor de infraestrutura, nem sempre evitarão cenários graves, como a superveniência de uma caducidade.

A equipe de Direito Público do Bocater acompanha o setor de infraestrutura rodoviária, analisando ativamente as controvérsias especialmente relevantes para o cenário econômico brasileiro.

 

 

 

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[1] Destaca-se, ainda, que de acordo com o relatório da Diretoria, de 2018 a 2022, a K-Infra acumulou 391 processos administrativos sancionadores, que totalizavam, à época, R$ 851.749.441,00, além de ter descumprido todos os prazos parciais referentes à correção de falhas ou transgressões identificadas na concessão previstos pela Portaria SUROD n° 118/2021. Vale destacar que, atualmente, o montante da dívida da concessionária, em valores atualizados, pode superar R$ 1 bilhão.

[2] Trata-se do Processo n° 1079600-33.2024.4.01.3400 que tramitou perante a 4ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal.