Nos últimos meses, diversas entidades fechadas de previdência complementar (EFPC) vêm recebendo determinações do Tribunal de Contas da União (Tribunal de Contas) para instaurar procedimentos internos de apuração relacionados a supostos indícios de prejuízo na gestão das reservas garantidoras dos planos de benefícios. As decisões seguem uma linha de atuação que tem se intensificado no âmbito dessa Corte de Contas, especialmente no que se refere à supervisão direta sobre os fundos de pensão patrocinados por estatais federais.

As determinações em questão envolvem a instauração das Tomadas de Contas Especiais (TCE) pelas próprias EFPC – um procedimento administrativo típico da Administração Pública, cuja aplicação para entidades privadas suscita dúvidas e controvérsias.

A Tomada de Contas Especial é um instrumento previsto na Lei Orgânica do Tribunal de Contas, que rege o controle externo (Lei nº 8.443/1992) da Administração Pública federal. O objetivo das TCE é apurar responsabilidades e buscar o ressarcimento de valores ao erário sempre que se identifiquem indícios de irregularidade, omissão no dever de prestar contas ou prejuízo aos cofres públicos. Conceitualmente, trata-se de um processo interno utilizado por órgãos e entidades da Administração Pública direta e indireta.

A novidade – e a controvérsia – está no fato de o Tribunal de Contas exigir que entidades privadas, como os fundos de pensão, adotem esse mecanismo como forma de apuração interna. Na prática, o Tribunal parte da premissa (em nossa visão, equivocada) de que, diante da presença de recursos públicos (1) nos planos de benefícios, é legítimo exigir das EFPC a instauração de TCE internas. As Tomadas de Contas têm rito previsto na Instrução Normativa Tribunal de Contas nº 98/2024.

Entretanto, a normativa também permite que, em situações excepcionais, a Corte Federal de Contas instaure as TCE diretamente, sem depender de apuração interna. Isso pode ocorrer, por exemplo, quando há risco de prescrição ou elementos já suficientes para instaurar o processo no próprio Tribunal (art. 4º, § 4º da referida Instrução). Também é possível a atuação direta do Tribunal de Contas nos casos em que não há dano, mas a irregularidade exige providências (art. 3º, parágrafo único também da norma interna do Tribunal).

Essa distinção é importante, pois ajuda a compreender por que, em alguns casos, o Tribunal de Contas tem determinado que as EFPC realizem apurações próprias, e, em outros, conduz diretamente o processo de identificação de responsabilidades.

A medida gera inquietação, uma vez que as EFPC são pessoas jurídicas de direito privado, submetidas a um regime legal próprio, com impositiva gorvernança interna e supervisionadas pela Superintedência Nacional de Previdência Complementar (Previc), autarquia especial com quadro técnico especializado. Ou seja, as entidades fechadas não integram a Administração Pública nem estão sujeitas aos mesmos deveres de órgãos públicos quanto à instauração de mecanismos típicos de controle interno, como as TCE.

Ao exigir que entidades privadas adotem mecanismos típicos da Administração Pública, o Tribunal de Contas acaba por criar obrigações que comprometem a autonomia de gestão, desconsiderando a lógica do regime jurídico próprio da previdência complementar fechada.

Consideramos que a exigência de instauração de TCE por parte das EFPC extrapola os limites da atuação desse Tribunal e compromete a autonomia de gestão dessas entidades, principalmente por se constatar que não há previsão nas Leis Complementares nº 108/2001 ou 109/2001, que imponha às EFPCs a adoção de procedimentos administrativos próprios da Administração Pública. 

Essa posição, contudo, não tem prevalecido no âmbito do Tribunal de Contas. O Supremo Tribunal Federal, apesar de instado algumas vezes, não determinou a contenção da Corte Federal de Contas em relação às entidades fechadas. Como consequência, as EFPC devem se aparelhar para conviver com eventuais determinações de instituição de TCE, sendo capazes de seguir o rito próprio desse procedimento, tal como previsto na Instrução Normativa TCU nº 98/2024. É sempre relevante esclarecer ao Tribunal de Contas que a gestão de planos capitalizados de previdência precisa tomar riscos. A exposição do caso concreto merece ser feita de forma a ser compreendida pelo Tribunal de Contas, ainda pouco afeito (em comparação com órgãos especializados, como CVM e a própria Previc) a algumas operações próprias do mercado de capitais.

Os atuais administradores das EFPC precisam estar conscientes dessa situação para que não lhes seja determinada a responsabilidade por uma conduta omissiva ou afastada das regras aplicáveis às TCE. 

Não são tempos fáceis, mas entendemos que é preciso enfrentar a situação e, até que haja uma reversão da posição do Tribunal de Contas, atender às suas exigências de forma alinhada com as regras aplicáveis às TCE, evitando os graves sancionamentos que a Corte Federal de Contas pode aplicar.

 

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(1) - Esse entendimento do Tribunal de Contas, em nossa opinião, desconsidera um ponto central do regime da previdência complementar: os recursos vertidos pelos patrocinadores, inclusive estatais, perdem sua natureza pública no momento em que ingressam na entidade fechada, passando a compor um patrimônio de natureza privada, destinado exclusivamente à formação de reservas para o pagamento de benefícios previdenciários