Em nossa última Newsletter, demos uma primeira informação sobre as alterações trazidas pela Lei nº 15.179, de 24 de julho de 2025. Esse normativo versa sobre as operações de crédito consignado por meio de sistemas ou de plataformas digitais relativas aos empregados celetistas e trabalhadores autônomos que atuam com transporte privado de mercadorias e pessoas. Agora, pretendemos aprofundar um pouco mais o tema, que possui grande relevância para as entidades fechadas de previdência complementar (EFPC ou Fundos de Pensão) e seus participantes.

A Lei 15.179/2025 alterou a Lei nº 10.820, de 17 de dezembro de 2003, que trata sobre o crédito consignado, estabelecendo novas regras para a contratação de crédito por meio de sistemas ou plataformas digitais, incluindo a necessidade de integração com sistemas para avaliação do endividamento do trabalhador, através do Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (eSocial) e do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS).

A legislação também autoriza a realização de convênios entre as empresas operadoras de aplicativos e instituições financeiras para operacionalização de operação de crédito com consignação sob os repasses aos quais os trabalhadores autônomos de plataformas têm direito pelos serviços oferecidos por intermédio de aplicativos de transporte individual de passageiros ou entrega de mercadorias.

O Poder Executivo ainda regulamentará a aplicação da lei, especialmente quanto à implementação do sistema ou plataforma digital para realização das operações de crédito, regras para habilitação de instituições financeiras, e formas para operacionalização de descontos.

Para além dos pontos centrais tratados na Lei 15.179/2025, é importante notar as alterações para a realização de operações financeiras realizadas entre participantes e assistidos e EFPC, especialmente em relação ao dever de informação.

Os Fundos de Pensão passam a ter a obrigação de informar a realização de operações de crédito com seus participantes nos sistemas ou em plataformas digitais mantidos por agentes operadores públicos, conforme regulamentação a ser expedida pelo Poder Executivo. 

O principal objetivo é a integração de sistema de informação para possibilitar a avaliação de endividamento e garantir a segurança das operações, afastando os riscos de comprometimento de renda da unidade familiar, além do risco de inadimplemento contratual.

Neste viés, deve-se verificar se a Lei 15.179/2025 está em conformidade com a legislação de regência e os princípios constitucionais do regime de previdência privada, que não poderá ter a sua atividade final limitada pela nova norma, dada a relevância econômica e social do sistema.

As operações financeiras mantidas entre participantes e EFPC compõem a carteira de investimentos dos fundos de pensão. Isto é, são parte integrante do processo de capitalização das reservas garantidoras dos planos de benefícios, com objetivo de prover pagamentos de benefícios previdenciários.

constituição de reservas que garantam o benefício contratado1 é a dicção do princípio constitucional do equilíbrio financeiro e atuarial previsto no caput art. 202 da Constituição Federal, que determina a obrigação das EFPC em manter regime de capitalização adequado para o cumprimento de suas obrigações com participantes e assistidos.

O fomento das reservas formadas por contribuições pessoais e patronais através de processo de acumulação de recursos pelo regime de capitalização é determinado pela legislação de regência, na forma do §1º, art. 18 da Lei Complementar (LC) 109, de 29 de maio de 20012.

Em um breve resumo, traz-se as obrigações futuras do plano de benefícios a valor presente com objetivo de verificar o montante necessário para a constituição de reservas capazes de suportar o pagamento de benefícios ao longo do tempo. 

Busca-se, desse modo, alcançar interesses coletivos.

Como visto, as operações financeiras com participantes são parte integrante da carteira de investimentos das EFPC, admitidas na redação do parágrafo único do art. 71 da LC 109/20013.

Como disposto na norma prudencial de investimentos – a vigente Resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) nº 4.994, de 24 de março de 2022 – as operações financeiras com participantes podem ser realizadas até o limite de 15% dos recursos garantidores de cada plano de benefícios, na forma de empréstimos pessoais e financiamentos imobiliários.

Nesse contexto, por se tratar de investimento destinado à rentabilidade da reserva garantidora para pagamento de benefícios previdenciários, o CMN determina regras específicas, de modo limitar os riscos deste segmento, na forma do art. 25 da Resolução 4.994/20224.

Os encargos financeiros são praticados de modo a compatibilizar as necessidades atuariais dos planos de benefícios, sem impor custo excessivo para os participantes e assistidos, diante da ausência de finalidade lucrativa dos fundos de pensão5.

Portanto, essa modalidade de investimento traz vantagens para os participantes e assistidos, que podem realizar empréstimos e financiamentos imobiliários com taxas mais vantajosas do que as oferecidas pelo sistema financeiro em geral. Do mesmo modo, se mostra positiva às EFPC, que podem utilizar as reservas individuais como garantia do cumprimento da obrigação, em observância à diretriz de segurança, bem como usufruir do fluxo de pagamento mensal dos benefícios, assegurando maior liquidez na aplicação de recursos.

Tudo isso em atenção aos objetivos da coletividade de participantes e assistidos dos planos de benefícios, ou seja, a manutenção e pagamento dos benefícios previdenciários.

A Lei 15.179/2025 afasta a possibilidade de consignação de pagamento de empréstimos mantidos com instituições financeiras na folha de pagamento de benefício de previdência privada, como anteriormente permitido na Medida Provisória nº. 1.292, de 12 de março de 2025.

Resta apenas a obrigação de informação referente ao art. 1-B da Lei 10.820/2003, no qual: “As entidades fechadas de previdência complementar deverão integrar as informações das operações realizadas com seus participantes e assistidos com os sistemas ou as plataformas de que trata o art. 2º-A desta Lei, de forma a evidenciar a assistência concedida e a garantir adequada avaliação das condições de endividamento do trabalhador”.

Importante destacar que o dever de informação é acompanhado da garantia de acesso ao sistema ou plataforma digital que será operacionalizada pelo Poder Executivo, permitindo às entidades melhor análise de risco de liquidez quando da realização de operações financeiras com seus participantes e assistidos.

Igualmente relevante, o dever de informação para cooperação com o sistema de crédito e mercado aberto de maneira geral previne situações de exposição e superendividamento de participantes e assistidos, estimulando ações de educação financeira direcionadas à sociedade. 

Fica resguardada a obrigação de consignação de pagamento em folha de benefício de previdência privada apenas quando da realização de operação entre os participantes e a própria EFPC, garantindo a destinação final recursos para manutenção dos planos de benefícios.

Em nossa visão, deve-se reconhecer a compatibilidade da Lei 15.179/2025 com a legislação especial do regime de previdência privada em especial o alinhamento com o compromisso dos planos de benefícios complementares em possuírem reservas para os pagamentos dos benefícios contratados.

 

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1- Na forma do caput do art. 202 da CFRB: “O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar. (…)”.

2- Art. 18. O plano de custeio, com periodicidade mínima anual, estabelecerá o nível de contribuição necessário à constituição das reservas garantidoras de benefícios, fundos, provisões e à cobertura das demais despesas, em conformidade com os critérios fixados pelo órgão regulador e fiscalizador.

§ 1º O regime financeiro de capitalização é obrigatório para os benefícios de pagamento em prestações que sejam programadas e continuadas.

(…)

3- Art. 71. É vedado às entidades de previdência complementar realizar quaisquer operações comerciais e financeiras:

I – com seus administradores, membros dos conselhos estatutários e respectivos cônjuges ou companheiros, e com seus parentes até o segundo grau;

II – com empresa de que participem as pessoas a que se refere o inciso anterior, exceto no caso de participação de até cinco por cento como acionista de empresa de capital aberto; e

III – tendo como contraparte, mesmo que indiretamente, pessoas físicas e jurídicas a elas ligadas, na forma definida pelo órgão regulador.

Parágrafo único. A vedação deste artigo não se aplica ao patrocinador, aos participantes e aos assistidos, que, nessa condição, realizarem operações com a entidade de previdência complementar.

4- Art. 25. A EFPC deve observar, em relação aos recursos garantidores de cada plano, o limite de até 15% (quinze por cento) no segmento de operações com participantes no conjunto de:

I – empréstimos pessoais concedidos com recursos do plano de benefícios aos seus participantes e assistidos; e

II – financiamentos imobiliários concedidos com recursos do plano de benefícios aos seus participantes e assistidos.

§ 1º Os contratos das operações a que se refere o inciso I do caput devem conter cláusula de consignação em pagamento da reserva até o valor estipulado para o instituto do resgate.

§ 2º Os contratos de financiamentos imobiliários a participantes e assistidos devem conter cláusulas de:

I – alienação fiduciária do imóvel objeto do financiamento; e

II – contratação de seguro com cobertura de Morte, Invalidez Permanente (MIP) e Danos Físicos ao Imóvel (DFI).

§ 3º Incluem-se neste segmento os valores mobiliários lastreados em recebíveis oriundos, direta ou indiretamente, dessas operações.

§ 4º Os encargos financeiros das operações com participantes devem ser superiores à taxa mínima atuarial, para planos constituídos na modalidade de benefício definido, ou ao índice de referência estabelecido na política de investimentos, para planos constituídos em outras modalidades, acrescidos de taxa referente à administração das operações e de taxa adicional de risco.

5- Art. 31. As entidades fechadas são aquelas acessíveis, na forma regulamentada pelo órgão regulador e fiscalizador, exclusivamente:

(…)

§ 1º As entidades fechadas organizar-se-ão sob a forma de fundação ou sociedade civil, sem fins lucrativos.

(…)