Do Big Bang ao Método Sistêmico: a Autopoiese do Universo e do Direito

Por: Antonio Araldo Ferraz Dal Pozzo

1. Introdução – A gênese como relação

O universo e o Direito, à primeira vista, pertencem a domínios incomunicáveis: um, físico; o outro, normativo.

Mas ambos compartilham uma mesma condição estrutural — a de sistemas abertos que se produzem e se mantêm por meio de relações.

O Big Bang não foi uma explosão no espaço, mas a expansão do próprio espaço; não ocorreu em um lugar, mas em todo lugar ao mesmo tempo.

Do mesmo modo, o método sistêmico não se limita a localizar o Direito dentro de um “espaço” jurídico preexistente: ele o compreende como uma rede que se cria a si mesma, uma totalidade autopoiética em permanente comunicação com os demais sistemas sociais.

Essa analogia não é poética — é epistemológica. Tanto o cosmos quanto o Direito emergem de um ato relacional primordial, no qual estrutura e função se confundem.

A origem do universo e a origem da normatividade compartilham, em última instância, um mesmo princípio: a ordem nasce da relação.

2. O Big Bang e a emergência do sistema

A teoria cosmológica contemporânea descreve o Big Bang não como uma explosão, mas como a transição de um estado de densidade extrema para a existência do espaço-tempo.

Antes dele, não havia tempo a retroceder nem espaço a ocupar — havia apenas potencial.

Quando a energia se converteu em matéria e a curvatura do espaço-tempo deu origem à expansão cósmica, o universo tornou-se sistema: um campo de interações no qual cada partícula passou a existir apenas em relação às demais.

Em termos sistêmicos, o Big Bang foi o primeiro ato autopoiético do ser — a criação do próprio meio em que a criação se realiza.

A partir dessa gênese relacional, o cosmos não cessou de se comunicar consigo mesmo.

Cada estrela que nasce, cada átomo que vibra, é uma forma de autorreferência cósmica — um modo pelo qual o sistema mantém sua coesão e produz novos níveis de complexidade.

Assim como o Direito, o universo é um sistema que se recria a cada instante.

3. A autopoiese como lei universal

Ludwig von Bertalanffy formulou, no século XX, a Teoria Geral dos Sistemas, segundo a qual todos os sistemas vivos — do biológico ao social — se definem por suas relações internas e por sua abertura ao ambiente.

Nessa linha, Niklas Luhmann descreveria o Direito como sistema autopoiético, isto é, capaz de produzir seus próprios elementos comunicativos por meio de operações autorreferentes.

A autopoiese, todavia, não é privilégio da vida: é uma propriedade do próprio universo.

Do plasma primordial às estruturas estelares, da gravidade à consciência, tudo o que existe é expressão de uma ordem que se auto organiza.

Em cada escala — física, biológica, cultural ou jurídica —, repete-se o mesmo movimento: energia que se converte em forma, forma que se abre à relação, relação que gera novo sentido.

O Direito, visto por esse prisma, é um microcosmo do cosmos.

Assim como o universo se mantém por equilíbrio dinâmico entre entropia e estrutura, o Direito preserva sua legitimidade mediante o diálogo constante entre estabilidade normativa e mutação funcional.

4. O método sistêmico e a expansão do sentido jurídico

O método sistêmico propõe compreender o Direito como campo relacional de sentido, em que normas, princípios e valores se organizam de modo funcional e comunicativo.

Não há norma isolada nem instituto autônomo: há um conjunto de relações em expansão, que se adapta às transformações da sociedade e às interações com outros sistemas — político, econômico, ambiental, tecnológico.

De forma análoga, a expansão do universo é expansão de relações, e não de matéria.

Cada galáxia que se afasta das demais não rompe o vínculo cósmico, mas o reafirma: o espaço entre elas é o próprio tecido da relação.

Assim também no Direito: as especializações (civil, penal, ambiental, digital) não fragmentam o sistema, mas testemunham sua capacidade de diferenciação funcional.

Como o cosmos, o sistema jurídico é aberto e autorregulado.

Quando seus vínculos perdem coerência — por injustiça, desigualdade ou formalismo —, o sistema entra em entropia moral.

E é a retroalimentação axiológica, promovida pelos valores constitucionais, que restabelece seu equilíbrio funcional.

5. Do Big Bang à Constituição: a normatividade como energia relacional

Se o Big Bang foi a irrupção da energia que deu origem à matéria e ao tempo, a Constituição pode ser vista como o Big Bang normativo do Estado Democrático de Direito.

Dela emanam os princípios — dignidade, solidariedade, igualdade — que, como forças fundamentais, estruturam o campo jurídico.

Esses princípios se comportam como energias reguladoras: curvam o espaço normativo, aproximam ou distanciam posições subjetivas, equilibram forças sociais.

A partir da Constituição de 1988, o Direito Civil brasileiro deixou de ser um sistema fechado e proprietarista para tornar-se um universo aberto, orientado por funções sociais e existenciais.

Essa mutação não é apenas dogmática, mas cosmológica: representa a passagem de uma concepção atomista para uma visão relacional do homem e de seus vínculos.

6. A dimensão ética da expansão

O método sistêmico, assim como a cosmologia moderna, reconcilia estrutura e vida.

Ambos reconhecem que a realidade — física ou jurídica — só é legítima quando se mantém aberta ao outro.

A expansão do universo é, em última análise, a metáfora suprema do amor: o movimento pelo qual o ser se oferece ao diverso, criando espaço para o outro existir.

No plano jurídico, isso se traduz em solidariedade, boa-fé, confiança legítima e proteção das vulnerabilidades — princípios que dilatam o espaço ético do sistema civil, assim como o cosmos se dilata no tempo.

7. Conclusão – O Direito como microcosmo da criação

O Big Bang e o método sistêmico, embora pertençam a esferas distintas do saber, convergem em um mesmo ponto de compreensão: a realidade — seja natural, seja normativa — é relação em expansão.

O cosmos e o Direito compartilham uma mesma lógica estrutural: a autopoiese relacional.

O universo se expande porque existe;

o Direito se expande porque a vida exige.

Ambos nascem do mesmo impulso criador — o de transformar energia em sentido.

Assim, compreender o Direito sob a ótica sistêmica é reconhecer, à maneira de Ortega y Gasset, que ele também é “eu e minhas circunstâncias”: um campo de relações em que a pessoa humana, como centro de referência, continua sendo o elo entre o microcosmo da norma e o macrocosmo da existência.