À primeira vista, pode parecer que empresas privadas e o direito público vivem em universos paralelos, apenas com encontros eventuais, como no momento de uma licitação. Porém, na prática, eles estão cada vez mais entrelaçados.
Hoje, há um grande potencial de novos negócios, desde a concessão de serviços públicos, parcerias público-privadas e convênios até a exploração de espaços públicos ou mesmo a associação da marca empresarial a equipamentos estatais. Estes são exemplos da conexão entre direito público e empresas privadas.
Os empresários precisam ficar atentos a esse ambiente normativo complexo, que, por si só, pode gerar complicações para grandes empresas. "Hoje, não é mais uma relação pontual. O empresariado precisa compreender que, cada vez mais, suas decisões passam pelo direito público. E sem assessoria jurídica nessa área, o risco de erro é grande", explica Adriane Gonçalves, advogada do escritório Dal Pozzo especializada na assessoria de empresas privadas nas suas relações com o poder público.
Regimes diferentes, lógicas distintas
O desconhecimento da lógica pública é uma das principais armadilhas para quem está habituado ao ambiente privado.
"As empresas precisam entender que estão lidando com um regime jurídico diferente, com princípios próprios, legalidade estrita, supremacia do interesse público e prerrogativas estatais que causam um certo ‘estranhamento’ ao empresário", afirma Evane Kramer, sócia do escritório Dal Pozzo e especialista em litígios que envolvem o direito público.
Um contrato com o Poder Público pode parecer ao empresário ser contrato de adesão, já que suas cláusulas, em regra, não podem ser alteradas pelo contratado. Além disso, no caso de ocupação de espaços públicos, o Poder Público tem a prerrogativa de rescindir o contrato com empresa de forma unilateral, com base em seus critérios de conveniência e oportunidade. Essas características ilustram a diferença do regime de direito público em relação ao regime de direito privado. “O particular não tem a linearidade das garantias contratuais como teria em um contrato entre privados. Isso muda tudo", reforça Evane Kramer.
Setores econômicos como conglomerados comerciais, grandes condomínios e hospitais privados têm se aproximado da assessoria especializada em direito público, porque precisam seguir normas de interesse coletivo e enfrentam a fiscalização da Administração Pública e Ministério Público.
Para empresas de inovação, o cuidado com as regras de direito público é fundamental. As novas tecnologias, como os modais elétricos, exploração de painéis visuais, aplicação de inteligência artificial na prestação de serviços, , exigem que as empresas convivam com uma complexa e desafiadora estrutura normativa, que envolve a aplicação de leis, portarias, regulamentos, licenças e pareceres. “Sem essa assessoria, o risco de autuação ou até interdição da atividade é real", relata Adriane.
Outro exemplo é a associação da marca privada a equipamentos públicos, como estádios, parques ou estações, que tem ganhado força por meio dos naming rights. Essas operações de marketing exigem a análise de risco e dimensionamento regulatório. “É uma forma moderna e eficiente de explorar espaços públicos, mas que exige assessoria jurídica especializada para evitar problemas futuros", alerta Kramer.
Estudo de risco e planejamento estratégico
Para evitar surpresas e prejuízos, empresas têm recorrido a escritórios especializados em direito público desde o planejamento de seus projetos. A assessoria jurídica envolve o levantamento de riscos — regulatórios, securitários, operacionais — e a indicação das medidas mitigadoras, o que facilita o dimensionamento de custos e a tomada de decisões assertivas perante toda a sua cadeia produtiva, de fornecedores a investidores.
Imagine uma empresa que fará uma ação comercial em um espaço público. Ao entender que sua ocupação pode ser precária, por exemplo, a empresa pode negociar prazos e condições com mais cautela, evitando compromissos de longo prazo sem garantias de permanência.
Prevenir é melhor do que remediar
A atuação jurídica preventiva em relações com o poder público é mais do que uma tendência, é uma necessidade. Algumas empresas só lembram de uma abordagem especializada em direito público quando o problema já existe. “Por isso, insistimos que a atitude consultiva é importante, inclusive com a interlocução entre a estrutura de compliance das empresas e e a assessoria de direito público, a fim de que a análise de documentos e procedimentos seja prévia e não posterior ao problema consumado. Esse cuidado gera, inclusive, mais confiança dos investidores no novo negócio”, diz Evane Kramer.
Os advogados atuam na elaboração da documentação adequada, na prestação de contas, no respeito a prazos e formas de comunicação com o Poder Público e no preparo das empresas para auditorias internas e para os controles externos, como dos Tribunais de Contas. “As cobranças e as exigências dos órgãos de controle externo como Tribunais de Contas e Ministério Público, são muito peculiares e a assessoria jurídica especializada é fundamental para isso”, conclui Adriane Gonçalves.
"A iniciativa privada precisa enxergar o direito público não como um entrave, mas como uma ferramenta para fazer mais e melhor. Quando existe um suporte jurídico adequado, a empresa dialoga melhor com o parceiro estatal, explora oportunidades com segurança e agrega valor ao seu produto ou serviço. O domínio das regras desse jogo é condição básica para competir ", finaliza Evane Kramer.