O Bank for International Settlements (BIS) publicou, em 13 de agosto de 2025, o Boletim nº 111, contendo estudo elaborado por seus economistas a respeito de abordagens alternativas para a prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo (PLDFT) em operações envolvendo criptoativos.
Intitulado An approach to anti-money laundering compliance for cryptoassets, o estudo parte do princípio de que a transposição do modelo de regulação de PLDFT empregado atualmente nos mercados financeiros e de capitais tradicionais (em que infraestruturas autorizadas pelos reguladores têm o duplo dever de supervisionar ativos, operações e clientes, e de comunicar as autoridades competentes) para os mercados de criptoativos pode não ser a melhor abordagem para a questão, especialmente para os criptoativos negociados em plataformas DLTs públicas e abertas.
O estudo demonstra que as regras atuais de PLDFT estão apoiadas em infraestruturas autorizadas e reguladas por autoridades financeiras locais (por exemplo, bancos e corretoras) que, como condição de acesso e permanência nos mercados financeiros, devem cumprir obrigações de fiscalização de clientes, monitoramento de operações e comunicação de indícios de infrações aos reguladores, todas elas previstas em normas e em suas políticas internas.
No entanto, em plataformas públicas e abertas em que são negociados bitcoin ou ethereum, por exemplo, onde a figura central das infraestruturas na implementação das políticas de PLDFT é substituída por uma rede dispersa e descentralizada de validadores que mantém registros dos ativos, operações e operadores, a aplicação do modelo tradicional de fiscalização, monitoramento, supervisão e enforcement pode não ser eficaz.
Considerando essas características dessas plataformas de negociação de criptoativos, o estudo publicado pelo BIS propõe, então, uma abordagem alternativa que explora a visibilidade pública do histórico de transações nas blockchains, transformando-a em uma ferramenta de regulação. A ideia central do estudo é criar uma “pontuação de conformidade PLDFT” para unidades ou saldos de criptoativos, incluindo stablecoins, com base na probabilidade de associação com atividades ilícitas. Essa pontuação (de 0 a 100, por exemplo) consideraria a proveniência e o histórico de cada token, identificando se o ativo passou por carteiras “limpas” (allow list) ou “sujas” (deny-listed).
Essa pontuação seria consultada nos momentos de conexão do ambiente cripto com o sistema financeiro tradicional, como na conversão dos criptoativos em moeda fiduciária (off-ramps) por prestadoras de serviços de ativos virtuais (PSAVs), bancos ou emissores de stablecoins, que teriam um dever de verificar a origem e a pontuação dos tokens e, a partir dessa análise, aprovar ou negar as transações, sob pena de responsabilização.
Segundo o estudo, cada país poderia definir os critérios de pontuação e conversão em moeda, incorporando regras locais como regulamentações cambiais, tributação ou proteção ao consumidor, o que ajudaria a preservar a soberania monetária em face do uso transfronteiriço de stablecoins e outros criptoativos. O estudo aponta que, no cenário proposto, é imprescindível a cooperação internacional para compartilhamento de informações e estabelecimento de diretrizes gerais.
No Brasil, de acordo com o Decreto nº 11.563/2023, a competência originária para disciplinar o mercado de ativos virtuais (criptoativos) é do Banco Central, que, no fim de 2024, submeteu à consulta pública minutas de resoluções sobre a prestação de serviços de ativos virtuais. Aguarda-se para o final de 2025 a edição da norma do Banco Central que irá regulamentar a criptoeconomia brasileira.
Na Consulta Pública nº 109/2024, que trouxe a proposta do Banco Central para disciplinar a constituição e o funcionamento das PSAVs e a prestação de serviços de ativos virtuais por outras instituições autorizadas a funcionar pela autarquia, há diversos dispositivos estabelecendo obrigações relacionadas a PLDFT às PSAVs, todas elas espelhadas no modelo tradicional de fiscalização, monitoramento, supervisão e enforcement aplicado nos mercados financeiros e de capitais, tais como: a) possuir um diretor ou administrador responsável pelo cumprimento das normas de PLDFT; b) estabelecer políticas e procedimentos de PLDFT e mantê-los permanentemente atualizadas; e c) monitorar, identificar, analisar e comunicar às autoridades competentes as operações com indícios de infrações às normas de PLDFT.
Ainda que não represente necessariamente a posição do BIS sobre o assunto, o mérito do estudo apresentado no Boletim nº 111 é reconhecer que os mercados de criptoativos diferem significativamente dos mercados financeiros e de capitais tradicionais, e propor soluções a partir dessas diferenças.
Ao Banco Central, neste momento em que processa as contribuições fornecidas pelo mercado na Consulta Pública nº 109/2024, cabe identificar as peculiaridades dos mercados de criptoativos a partir da prática e dos estudos nacionais e internacionais feitos sobre o assunto, e incorporá-las à experiência nacional de políticas públicas de PLDFT para, ao final, apresentar à sociedade uma regulamentação nacional para o mercado brasileiro de criptoativos que equilibre o respeito a suas peculiaridades; a proteção dos investidores e do Sistema Financeiro Nacional; o fomento à livre iniciativa, concorrência e inovação nos produtos e serviços financeiros; a integração do mercado brasileiro ao mercado global; e o compartilhamento de informações com autoridades estrangeiras.