Após abrir consulta pública no final de 2023, na forma de tomada de subsídios para a elaboração da regulamentação sobre ativos virtuais, o Banco Central do Brasil (BCB) publicou, no dia 08 de novembro, duas novas consultas públicas sobre esse mesmo tema: a Consulta Pública 109/2024, que apresenta proposta de regulamentação dos serviços de ativos virtuais previstos no art. 5º da Lei nº 14.478/2022, da constituição e o do funcionamento das prestadoras de serviços de ativos virtuais (PSAV); e a Consulta Pública 110/2024, que apresenta proposta de regulamentação dos processos de autorização para funcionamento das PSAV.


Destacamos, inicialmente, que os ativos virtuais tratados por essas duas Consultas Públicas são aqueles previstos no art. 3º da Lei nº 14.478/2022, ou seja, as representações digitais de valor que podem ser negociadas ou transferidas por meios eletrônicos e utilizadas para pagamentos ou com propósito de investimento. As consultas públicas não abrangem os ativos virtuais representativos de valores mobiliários sujeitos ao regime da Lei nº 6.385/1976 e à competência da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Por opção do regulador, os NFTs (non fungible tokens) não foram incluídos na regulamentação proposta pela Consulta Pública 109/2024, assim como também não o foram os instrumentos financeiros e os bens, móveis ou imóveis, que sejam objeto de processos de tokenização (art. 3º, parágrafo único, da minuta anexa à Consulta Pública 109/2024).


Consulta Pública 109/2024

Nessa consulta pública, a regulamentação proposta pelo Banco Central pretende classificar as PSAV em três modalidades:

  • intermediárias de ativos virtuais: responsáveis por intermediar a negociação e a distribuição de ativos virtuais; 
  • custodiantes de ativos virtuais: responsáveis pela custódia de ativos virtuais, e 
  • corretoras de ativos virtuais: que desempenham tanto as atividades previstas para as intermediárias quanto para as custodiantes de ativos virtuais.

 

A estratégia regulatória do Banco Central buscou definir as PSAV em função das atividades que desempenham. Assim, as intermediárias de ativos virtuais serão aquelas autorizadas a prestar os serviços previstos no art. 5º da minuta de resolução anexa à Consulta Pública 109/2024, de forma individual ou cumulativa. Já as custodiantes de ativos virtuais serão aquelas autorizadas a prestar os serviços previstos no art. 6º; e, de acordo com o art. 8º, as corretoras de ativos virtuais serão aquelas autorizadas a prestar os serviços autorizados às intermediárias e às custodiantes de ativos virtuais, de forma combinada. 


Destaca-se que, nos termos do art. 9º da minuta anexa à Consulta Pública 109/2024, os bancos comerciais, os bancos de investimento, os bancos múltiplos e a Caixa Econômica Federal poderão prestar serviços de ativos virtuais, nas modalidades de intermediárias ou custodiantes de ativos virtuais. As corretoras e as distribuidoras de títulos e valores mobiliários também poderão prestar serviços de ativos virtuais nessas mesmas modalidades, se ofertarem contas de pagamento a seus clientes, nos termos da Resolução BCB nº 96/2021.


Nos termos do mandato que lhe foi conferido pelo art. 7º da Lei nº 14.478/2022 e pelo Decreto nº 11.563/2023, o Banco Central buscou regulamentar aspectos críticos das operações com ativos virtuais e do funcionamento das PSAV, como sua constituição, governança e autorização de funcionamento; obrigações e responsabilidades de cada modalidade de PSAV; controles, monitoramento e supervisão de operações com ativos virtuais; direitos e deveres dos investidores em ativos virtuais, bem como avaliação e adequação dos investimentos em ativos virtuais em razão do perfil de risco dos investidores (suitability).


Dentre esses aspectos, destacamos a proposta que estabelece o dever de as PSAV indicarem, ao menos, três diretores ou administradores responsáveis individualmente perante o Banco Central pelo cumprimento das normas relativas a: prevenção e combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo; controles internos e compliance; e gerenciamento de riscos, de capital e da política de divulgação de informação (art. 10 da minuta de resolução anexa à Consulta Pública 109/2024).


Destacamos também que, em relação às obrigações e responsabilidades propostas para as PSAV, o art. 20 estabelece a responsabilidade dessas entidades pela liquidação das operações executadas com ativos virtuais; pela legitimidade dos ativos virtuais ofertados, negociados ou custodiados, em favor de seus clientes e das contrapartes; pela autenticidade das transações com ativos virtuais; pela manutenção e comprovação dos registros dos ativos virtuais; e pela legitimidade de procuração e de documentos necessários para a transferência de ativos virtuais. 


Destacamos, por fim, as obrigações estabelecidas nas Seções IV e V do Capítulo VIII da minuta anexa à Consulta Pública nº 109/2024, em especial aquelas que tratam da atualização permanente das políticas e procedimentos das PSAV sobre: a) conduta de seus colaboradores; b) coleta e análise de dados para registro e monitoramento das operações; c) prevenção às fraudes e crimes em geral; d) gestão de risco e continuidade de negócios; e) gestão de serviços de terceiros; f) guarda e proteção de chaves privadas; g) aprovação de transações de clientes; h) segurança institucional e i) prevenção e combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo; além das medidas previstas no art. 34, §1º, que visam garantir o cumprimento das obrigações acima, como a contratação anual de auditoria externa independente; as avaliações internas periódicas de risco; os treinamentos regulares de seus colaboradores; e o estabelecimento de limites para transações e saques com ativos virtuais, dentre outras.

 

Consulta Pública 110/2024

A segunda consulta pública, por sua vez, trata da proposta do Banco Central para disciplinar os processos de autorização para funcionamento das PSAV, das sociedades corretoras de câmbio, das sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários e das sociedades distribuidoras de títulos e valores mobiliários. 


Destacamos que, no âmbito da regulação financeira, as condições para a constituição, organização e funcionamento das sociedades corretoras e das distribuidoras de títulos e valores mobiliários são dadas pela Resolução nº 5.008/2022 do Conselho Monetário Nacional. Já as condições para a constituição, organização e funcionamento das sociedades corretoras de câmbio são dadas pela Resolução nº 5.009/2022, também do Conselho Monetário Nacional. A proposta objeto da Consulta Pública nº 110/2024 visa consolidar e complementar essas normas, a partir da competência outorgada ao Banco Central para disciplinar o processo de autorização dessas entidades.


Em relação à proposta do Banco Central para o processo de autorização das PSAV, o art. 26 da minuta anexa à Consulta Pública 110/2024 estabelece que o procedimento de autorização de funcionamento das entidades que já atuam no Brasil ocorrerá em duas fases, em prazos ainda não definidos. 


A primeira fase compreenderá a análise: (i) da documentação comprobatória de que tais PSAV iniciaram suas atividades antes da entrada em vigor das resoluções que são objeto de ambas as Consultas Públicas; (ii) do cumprimento dos requisitos de capital e patrimônio líquido mínimo mediante a apresentação de demonstrações financeiras auditadas; e (iii) das informações sobre controladores, administradores e responsáveis pela PSAV, tipos de serviços prestados e tamanho das operações.


Já a segunda fase envolverá a análise quanto ao cumprimento dos requisitos previstos no art. 2º da minuta de resolução anexa à Consulta Pública nº 110/2024, dentre eles: capacidade econômico-financeira dos controladores; origem dos recursos utilizados na integralização do capital social da PSAV, na aquisição de controle e de participação qualificada; viabilidade econômico-financeira do empreendimento; compatibilidade das infraestruturas de tecnologia da informação e da estrutura de governança corporativa, frente à complexidade e riscos do empreendimento; capacidade técnica dos administradores da PSAV; e atendimento aos requisitos de capital e de patrimônio mínimos. 


Destacamos que as PSAV que não tiverem iniciado a prestação de serviços de ativos virtuais até a data de entrada em vigor das normas regentes da sua constituição e funcionamento, bem como do seu processo de autorização, deverão solicitar autorização prévia ao Banco Central, conforme previsto no art. 19 da minuta anexa à Consulta Pública nº 109/2024.


Os interessados possuem até o dia 07 de fevereiro de 2025 para enviar suas contribuições. Ressaltamos que as iniciativas do Banco Central visam regular todo o ciclo de funcionamento das PSAV, desde o seu pedido de autorização até a prestação de seus serviços, de modo que a participação dos interessados na matéria se apresenta como uma oportunidade única para a construção de uma regulação moderna, eficiente, flexível e contextualizada frente às principais experiências vindas de outras jurisdições.