Introdução
Os fundos de investimento em infraestrutura ganharam destaque nos últimos anos, impulsionados pela demanda crescente por melhorias em setores-chave como rodovias, aeroportos, saneamento básico, ferrovias e energia. De acordo com notícia divulgada pelo Valor Econômico, esse segmento captou, em 2024, montantes expressivamente superiores aos de períodos anteriores, evidenciando um salto de quase dez vezes em comparação a 2023. Tal crescimento reforça o protagonismo dos ativos de infraestrutura no mercado de capitais e acende o alerta para a necessária atenção aos contratos de parceria que lastreiam grande parte desses investimentos.
Para efeitos deste texto, a expressão “contrato de parceria” é adotada com o significado a ela atribuído pela Lei do PPI: “consideram-se contratos de parceria a concessão comum, a concessão patrocinada, a concessão administrativa, a concessão regida por legislação setorial, a permissão de serviço público, o arrendamento de bem público, a concessão de direito real e os outros negócios público-privados que, em função de seu caráter estratégico e de sua complexidade, especificidade, volume de investimentos, longo prazo, riscos ou incertezas envolvidos, adotem estrutura jurídica semelhante.” Busca-se, com isso, abranger de modo economicamente amplo os arranjos possíveis.
Neste contexto, torna-se imperiosa a atuação de profissionais da área jurídica — especialmente aqueles especializados em Direito Administrativo, Regulatório e Contratos de Concessão — para garantir a segurança jurídica das operações e a mitigação de riscos que podem impactar diretamente o a rentabilidade esperada pelos cotistas dos fundos.
1. A relevância do contrato de parceria para os fundos de infraestrutura.
Os fundos de infraestrutura, estruturados sob diversas modalidades (fundo de investimento em participações, fundo de investimento em direitos creditórios, entre outros), buscam rentabilidade por meio de projetos de longo prazo. O contrato de concessão, celebrado com o poder público (União, Estados ou Municípios), representa o cerne da relação jurídica que permite à iniciativa privada explorar determinado serviço ou bem público mediante contrapartida financeira. Contratos de parceria são, como regra, ativos de longo prazo e, quando envolvem investimentos de capital, seu prazo é um componente fundamental para a própria viabilidade dos investimentos, dado que sua amortização e remuneração caminham lado a lado com os custos e despesas e isso torna o tempo, um fator-chave que os diferencia dos contratos comuns.
Há uma certa “virada de chave” no amadurecimento institucional brasileiro em relação à importância dos investidores financeiros. Tradicionalmente, o mercado de parcerias costumava ser visto quase que como uma “extensão” do mercado de obra pública e, por isso, o protagonismo do setor de construção foi fundamental para que esse mercado fosse desbravado no Brasil, sobretudo, com as primeiras concessões de rodovia e do setor elétrico ainda na década de 1990. Porém, contratos de parceria são muito mais complexos do que apenas “obra pública” e a presença de investidores financeiros é fundamental para viabilizar investimentos e essa compreensão tem se cristalizado de modo efetivo.
Inclusive, um ponto relevante de inflexão foi a concessão do Lote Piracicaba-Panorama, no Estado de São Paulo. Trata-se, provavelmente, de um dos maiores contratos de concessão de rodovia do país, com nada menos do que 1.273km em seu objeto. Esse projeto, estruturado pelo Estado de São Paulo com apoio do IFC, foi pioneiro no sentido de ser, muito provavelmente, o primeiro contrato de parceria num setor tradicionalmente liderado pela construção a ser arrematado por um consórcio formado exclusivamente por Fundos – o Fundo Pátria e o Fundo Soberano de Singapura (GIC).
Nesse contexto, para que esse movimento não perca tração e continue a se expandir, a segurança jurídica e a previsibilidade em um contrato de parceria bem estruturado se tornam pilares imprescindíveis para que os fundos se sintam respaldados no momento de alocar recursos vultosos em infraestrutura. A estabilidade das regras contratuais, a clareza da distribuição dos riscos e incentivos e o estabelecimento de mecanismos objetivos de revisão contratual são fundamentais para a precificação do contrato enquanto ativo de risco, assegurando que haja margem de segurança para os investidores e para as instituições que viabilizam o financiamento de longo prazo. É por meio de cláusulas claras e objetivas que a confiança do mercado é preservada, fator decisivo para tornar o projeto atraente e reduzir a percepção de incertezas relativas ao desempenho futuro da concessão.
Em complemento a essa necessidade de segurança e confiabilidade, a definição de fluxos de caixa e o retorno esperado para cada projeto são diretamente influenciados pelo conjunto de receitas previstas no instrumento de concessão — seja por meio de tarifas de pedágio, cobranças de serviços aeroportuários, fornecimento de energia ou saneamento, ou outras modalidades de remuneração estabelecidas entre o poder concedente e o concessionário. Tais receitas, quando respaldadas por projeções sólidas e viabilizadas por cláusulas adequadas, constituem a base do modelo de negócio dos fundos. Isso permite que se calcule, de forma objetiva, a viabilidade econômica do empreendimento, mitigando o risco de que o ativo não apresente a rentabilidade esperada.
A projeção de receitas e a análise de retorno se mostram fundamentais para que os gestores dos fundos de infraestrutura possam balizar sua estratégia de alocação de capitais, sobretudo diante da volatilidade do mercado e de possíveis oscilações regulatórias ao longo do período de concessão.
2. Riscos regulatórios e a necessidade de consultoria jurídica
Em um cenário de expansão dos fundos de infraestrutura, especialmente quando os valores alocados atingem cifras consideráveis, a atenção aos riscos regulatórios e políticos ganha importância central. Ainda que o marco legal brasileiro ofereça certo grau de proteção e previsibilidade, mudanças repentinas na legislação setorial ou intervenção governamental podem, em maior ou menor grau, desequilibrar o planejamento econômico-financeiro previsto no contrato de concessão. A possibilidade de alterações tarifárias, revisões unilaterais de obrigações ou mesmo a imposição de novas exigências ambientais e de desempenho são exemplos de fatores que impactam diretamente o fluxo de caixa dos projetos e, consequentemente, a remuneração dos fundos.
No mesmo sentido, a instabilidade política, comum em cenários eleitorais ou períodos de transição de governo, pode gerar atrasos em processos de licitação ou mesmo inviabilizar a renovação de contratos em tramitação. Por isso, é fundamental que exista um acompanhamento permanente da evolução das normas regulatórias, não apenas para avaliar o grau de exposição do projeto a eventuais mudanças, mas, também, para propor alternativas que salvaguardem os interesses dos investidores. O diálogo com agências reguladoras, bem como a elaboração de estratégias de compliance e governança corporativa, são instrumentos que reforçam a solidez contratual e ajudam a evitar surpresas capazes de comprometer a viabilidade do empreendimento.
3. A atuação estratégica do advogado na estruturação e gestão dos contratos
Com a consolidação dos fundos de infraestrutura como alternativa de investimento de longo prazo, a participação dos advogados especialistas em concessões e contratos administrativos se torna imprescindível. Esse papel se manifesta em múltiplas frentes, desde a fase pré-contratual, na qual é realizada a due diligence jurídica para mapear e mensurar eventuais passivos e obrigações presentes ou futuras, passando pela elaboração e revisão contratual, até o acompanhamento das obrigações legais e regulatórias ao longo de todo o período de concessão. Ademais, por se tratar de contratos relacionais, a resolução de conflitos entre concessionário e poder concedente, seja por meio de transação administrativa ou de processos arbitrais e judiciais, requer conhecimento técnico aprofundado para que sejam minimizados os impactos sobre a continuidade e a rentabilidade do projeto.
4. Conclusão
O crescimento expressivo do volume de recursos alocados por fundos com interesse em investir em infraestrutura demonstra tanto o potencial de expansão desse mercado quanto a complexidade dos riscos nele envolvidos. No cerne dessa equação, figuram os contratos de parceria, fundamentais para a sustentabilidade econômica dos empreendimentos e para a consecução dos resultados pretendidos pelos investidores. Ao analisarmos o panorama atual, fica claro que a consultoria jurídica especializada — com ênfase na elaboração, revisão e acompanhamento pari passu dos contratos de concessão — exerce papel decisivo na segurança jurídica dos investimentos.
A solidez do arcabouço contratual e regulatório não apenas viabiliza a captação de recursos em larga escala, mas também preserva a atratividade dos projetos de infraestrutura no longo prazo. Assim, o envolvimento de advogados experientes em concessões e regulação setorial é condição sine qua non para o êxito dos fundos de infraestrutura, contribuindo para a minimização de riscos, proteção dos interesses dos cotistas e fortalecimento do mercado de capitais nacional.