A Evolução do Mercado de M&A em Infraestrutura: A Importância do Direito Público na consolidação de operações seguras e eficientes
Por Augusto Neves Dal Pozzo
Introdução
O mercado brasileiro de fusões e aquisições (M&A) no setor de infraestrutura continua em expansão, ainda que permeado por desafios significativos, sobretudo no que diz respeito à segurança jurídica e à estabilidade regulatória. A crescente participação de grupos estrangeiros em investimentos que envolvem rodovias, saneamento, portos e energia evidencia o potencial atrativo do Brasil nessa área, mas também expõe a complexidade do ambiente normativo e administrativo que norteia essas transações.
Nesse contexto, a atuação de advogados especializados em Direito Público desponta como fator de diferenciação para o sucesso das operações. O papel desses profissionais vai muito além da análise jurídica dos contratos; abrange a compreensão das especificidades das concessões, parcerias público-privadas (PPPs), permissões, autorizações e demais modelos que envolvem a relação do Poder Público com a iniciativa privada. A seguir, apresento algumas reflexões sobre como a expertise em Direito Público é imprescindível para a estruturação, negociação e execução de projetos de M&A em infraestrutura.
1. O Ambiente Regulatório e a Função do Advogado Especializado
A regulação das atividades de infraestrutura no Brasil envolve uma pluralidade de normas e entes reguladores. Cada setor – rodovias, saneamento, portos, energia – possui marcos específicos e agências reguladoras com diferentes graus de autonomia e complexidade. Para além disso, as instâncias federais, estaduais e municipais podem coexistir no mesmo projeto, demandando sinergia e harmonização de normas.
O advogado especializado em Direito Público é peça-chave para navegar nesse emaranhado regulatório, pois deve dominar:
- Os fundamentos constitucionais e legais que delimitam a atuação do Poder Público no fomento à infraestrutura.
- Os processos licitatórios e contratuais próprios de concessões e PPPs, incluindo cláusulas de reequilíbrio econômico-financeiro, matriz de riscos e hipóteses de rescisão.
- As especificidades das agências reguladoras e suas resoluções, que costumam ser tecnicamente complexas.
Além disso, a atuação de um escritório com foco em Direito Público é fundamental para estabelecer o diálogo institucional com órgãos de controle, como Tribunais de Contas e Ministério Público, e com as próprias agências reguladoras. Esse relacionamento pautado na transparência e na regularidade dos atos administrativos garante segurança aos investidores, minimizando riscos de judicialização e atrasos na implementação dos projetos.
2. Due Diligence e Avaliação de Riscos Regulatórios
Os processos de M&A em infraestrutura envolvem a análise não apenas dos ativos tangíveis, mas também das condições contratuais firmadas com o Poder Público. Muitos desses contratos são formalizados por meio de Sociedades de Propósito Específico (SPEs), criadas exclusivamente para a exploração do objeto concedido. Nesse sentido, a due diligence especializada vai além de aspectos clássicos, como questões tributárias e trabalhistas, contemplando também:
- Verificação de eventuais desequilíbrios contratuais e riscos associados a reequilíbrios econômico-financeiros.
- Identificação de litígios ou potenciais litígios com órgãos governamentais ou concessionários anteriores.
- Avaliação de condicionantes ambientais, licenças e autorizações, essenciais ao pleno funcionamento do empreendimento:
- Revisão da conformidade regulatória em todas as esferas competentes (federal, estadual e municipal).
Exame de processos envolvendo o ativo junto aos Tribunais de Contas, ao Ministério Público e demais órgãos de controle interno e externo.
Uma due diligence robusta nessa seara não apenas confere maior previsibilidade à transação, mas também assegura que o comprador compreenda integralmente o “DNA regulatório” do ativo que pretende adquirir. Consegue-se, assim, dimensionar com maior precisão os riscos e custos associados, impactando diretamente o valuation do negócio.
3. Estruturação Contratual e Modelagem de Negócios
Uma das principais contribuições do consultor jurídico especializado em Direito Público em projetos de M&A está na fase de estruturação do negócio. O sucesso de qualquer transação que envolva ativos de infraestrutura depende de contratos sólidos, elaborados com observância dos princípios do regime jurídico-administrativo e adequados à complexidade de cada setor.
Nesse aspecto, destacam-se:
- Cláusulas de Risco e Reequilíbrio: A experiência em concessões e PPPs permite a redação de disposições claras sobre eventos extraordinários, preservando o equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
- Mecanismos de Governança e Compliance: A crescente demanda por transparência, especialmente em operações de grande porte, impõe regras de governança corporativa alinhadas a padrões ESG (ambiental, social e de governança), bem como as externalidades positivas e negativas do ativo.
- Solidez nas Garantias: Em contratos firmados com a administração pública, a definição de garantias contratuais adequadas (seguros, fianças, títulos) é vital para assegurar o cumprimento das obrigações assumidas, bem como para viabilizar financiamentos junto a instituições nacionais e internacionais.
Esses elementos contratuais, dentre outros, formam a espinha dorsal que mantém o projeto resiliente a oscilações do mercado e a potenciais alterações de cenário regulatório.
4. Mitigação de Conflitos e Mecanismos de Solução de Disputas
No Brasil, é comum que contratos administrativos de longa duração venham a ser questionados ou exijam reequilíbrio econômico-financeiro em razão de mudanças na conjuntura econômica, política ou até mesmo por eventos imprevistos. Diante dessa realidade, o recurso a instrumentos céleres e eficazes de resolução de disputas – incluindo a arbitragem especializada, os dispute boards e a mediação – representa uma estratégia fundamental para assegurar a continuidade dos projetos e a previsibilidade de custos.
Nesse contexto, o advogado especializado em Direito Público desempenha um papel essencial ao elaborar e ajustar cláusulas arbitrais que respeitem tanto a legislação em vigor quanto as exigências de transparência dos órgãos públicos, garantindo a legitimidade e a celeridade no processo de resolução de controvérsias.
Além disso, sua atuação contribui para a adoção de dispute boards em projetos de infraestrutura, valendo-se de um caráter preventivo e técnico que costuma reduzir significativamente o número de demandas judiciais. No tocante a possíveis conflitos, a aproximação com autoridades governamentais e concessionários também se beneficia da intermediação de advogados públicos experientes, capazes de conduzir negociações e buscar soluções consensuais que conciliem o interesse público com a segurança e o retorno esperados pelo investidor privado.
Além de assegurar a estabilidade financeira do empreendimento ao longo de todo o período de vigência contratual, a escolha apropriada do método de solução de controvérsias desempenha papel decisivo para que o objeto do contrato seja efetivamente executado e atenda, com excelência, ao interesse público. Quando a resolução de disputa é adequadamente estruturada e conduzida por profissionais que dominam as particularidades do Direito Público, cria-se um ambiente propício à continuidade das atividades essenciais, garantindo que a atividade contratada, permaneça em pleno funcionamento e gere os benefícios esperados para a coletividade. Dessa forma, mantém-se tanto o equilíbrio das relações entre as partes quanto o compromisso com a finalidade pública do projeto, reforçando sua relevância social e a confiança dos stakeholders envolvidos.
5. Perspectivas de Mercado e a Contribuição do Direito Público
Mesmo frente aos desafios macroeconômicos projetados para os próximos anos, o Brasil preserva seu potencial como mercado promissor no campo da infraestrutura. O histórico de carências em setores como mobilidade urbana, saneamento básico, rodovia, aeroportos, infraestrutura social e logística portuária exige não apenas aportes financeiros substanciais, mas também soluções criativas e fundamentadas em segurança jurídica para viabilizar os investimentos. É nesse cenário que o Direito Público se consolida como elemento indispensável para estabelecer as bases regulatórias que alinham interesses públicos e privados de modo equilibrado.
Por meio de um arcabouço normativo bem definido, o Direito Público fornece credibilidade e estabilidade ao ambiente de negócios, reduzindo incertezas e favorecendo a atração de capitais. Nesse mesmo sentido, a adoção de práticas de transparência e governança fortalece a confiança dos investidores, minimizando riscos de corrupção e garantindo uma gestão mais responsável dos recursos envolvidos. Ademais, a consolidação de mecanismos legais sólidos é crucial para respaldar modelos inovadores, como concessões integradas, parcerias público-privadas (PPPs) híbridas e arranjos que envolvam diferentes entes federativos, permitindo que essas iniciativas avancem de maneira estruturada e com menor probabilidade de embaraços jurídicos.
Assim, ao transcender aspectos meramente formais, a advocacia especializada em direito público atua como catalisadora de boas práticas e de diálogo construtivo entre o setor privado, a administração pública e os órgãos de controle. Essa articulação, por sua vez, garante o devido respeito ao interesse público e evita a imposição de ônus desproporcionais ao investidor, fomentando um mercado de infraestrutura sólido e atrativo, que seja capaz de responder às demandas sociais e, ao mesmo tempo, proporcionar retornos consistentes para os empreendedores.
Conclusão
O universo das fusões e aquisições em infraestrutura no Brasil requer uma visão holística do negócio, em que o componente de Direito Público não pode ser negligenciado. A participação de advogados especializados nessa seara permite identificar riscos regulatórios com antecedência, estruturar cláusulas robustas de alocação de riscos, fortalecer mecanismos de governança e reduzir o potencial de litígios que possam comprometer o êxito do investimento.
Consolidar um ambiente propício ao desenvolvimento de projetos de infraestrutura depende, em grande medida, de garantir segurança jurídica e previsibilidade. Com uma assessoria técnica, ética e voltada para resultados, é possível criar as bases para um mercado sólido, capaz de atrair e reter investimentos de longo prazo. Cabe aos profissionais do Direito, em especial àqueles vocacionados ao Direito Público, exercer um papel de convergência, equilibrando interesses públicos e privados na construção de um futuro mais próspero e bem estruturado para o Brasil, com atingimento do pleno desenvolvimento econômico e social.